Afinal, por que trabalhar alocado? | Motion Business #2

Começo me desculpando pela ausência prolongada já na segunda edição da coluna. Mas, como todos, tivemos nossa parcela de correria preparando a Histeria! para os próximos 300 anos de quarentena.

Nesse meio tempo, muitas iniciativas incríveis têm sido colocadas em prática, como a série de lives do Vida de Motion em parceria com o Layer no Youtube, lives tutoriais, cursos gratuitos, etc. Inúmeros projetos que têm nos ajudado a conviver com a distância, com a ausência.

Mas é sobre presença que eu quero falar.

Porque tirando alguns pequenos percalços de comunicação e produtividade, a verdade é que é totalmente possível continuar trabalhando normalmente com uma equipe 100% remota (nos poucos projetos que continuam surgindo, claro). Então é inevitável se questionar:

  • Por que fazer tanta gente cruzar a cidade todos os dias pra ficar trabalhando na mesma sala?
  • Por que arcar com aluguel, contas e manutenção, se poderíamos manter todos em casa e reduzir esse custo?
  • O que um estúdio ganha mantendo toda a equipe alocada e, tão importante quanto, o que a equipe ganha com isso?

Não são perguntas simples. Um modelo é mais produtivo, mas gasta horas e horas da vidas das pessoas com transporte. O outro permite mais flexibilidade, mas dificulta pequenos feedbacks ao longo do dia, desacelerando o trabalho. E por aí vai. 

E foi remoendo essas questões nas última semanas que cheguei a uma questão que, pra mim, desequilibra a discussão em favor do trabalho presencial:

Presença é cultura.

Isso mesmo, vamos falar de cultura corporativa. Por mais coxa que o termo possa parecer, ela existe em qualquer empresa e em qualquer grupo, na realidade. Ela emerge das relações entre as pessoas, com ou sem o direcionamento de uma liderança.

Sem essa direção, ela pode distanciar equipe e liderança a níveis incorrigíveis. É muito comum ver diretores se descabelando por não conseguirem fazer a equipe trabalhar do jeito que eles querem, especialmente em pequenas empresas que não se preocupam com a importância disso desde o início. Porque muito mais difícil que criar uma cultura em um pequeno grupo, é mudar uma cultura existente em um grupo maior.

Já com direcionamento, a cultura é a chave para tornar o todo muito maior que a soma das partes, para tornar o grupo mais importante que qualquer um de seus membros. Para o funcionário, fazer parte de um grupo com uma cultura forte e construtiva é imprescindível. É fazendo parte de grupos assim que evoluímos como profissionais e como pessoas.

Porque isso vale tanto para aquele grupo de amigos do colégio que você deixou de ver porque percebeu que as piadas deles não tinham mais graça, quanto para um emprego que você decidiu sair porque o ambiente era tóxico.

Claro que ter a equipe alocada não é garantia de que será criada uma cultura linda e produtiva, mas certamente não tê-la dificulta muito o processo de criação de qualquer cultura.

E cultura, minha gente, agrega valor.

Quando bem feita, claro.

Pense em um banco tradicional. Agora pense no Nubank. Pronto, esse é o valor da cultura. Porque o atendimento do Nubank não é fruto apenas de um FAQ bem feito para os atendentes, ela é só a ponta de um gigantesco iceberg que começa em como as equipes são estruturadas, como os projetos são atribuídos e quais rituais e artefatos são utilizados para manter tudo isso vivo.

Na nossa singela tentativa de criar uma cultura acolhedora para a equipe e desejável para os clientes, implementamos alguns rituais e artefatos aqui na Histeria! também:

  • Reuniões de pauta semanais onde discutimos não apenas o que cada um vai fazer ao longo da semana, mas também botamos todos a par de tudo que está rolando na empresa: todos os projetos, as prospecções, as iniciativas de comunicação, RH, ADM etc. Além de organizar o trabalho, a ideia é que todos se sintam parte de algo maior.
  • Reuniões semestrais de “feedback”, que apelidamos de Jornadas. São checkpoints de evolução de cada profissional, onde os diretores e os artistas trocam impressões dos últimos meses e renovam expectativas e promessas do que esperam alcançar juntos nos próximos. A ideia é reafirmar o “contrato” entre empresa e funcionário, de que essa relação tem que ser benéfica para ambas as partes. 
  • Reuniões mensais de Aprendizados Coletivos, onde toda a empresa senta e conversa sobre todos os projetos entregues naquele mês, trocando desafios e aprendizados com as demais equipes.
  • Alongamento todo dia às 16h. Porque além de conservar a lombar (os 30+ me entendem, espero), é pelo menos um horário garantido de reunir todo mundo uma vez no dia, mesmo pessoas que ficam em andares diferentes.
  • Já de artefatos, podemos falar do fato de todos trabalharem de Havaianas, que ficam embaixo da mesa de cada um; ou dos apoios de lombar que o glorioso Komitê de Bem-estar providenciou a todos; ou mesmo da cesta de basquete, o N64, os instrumentos montados na edícula, cada um com sua febre, que veio e passou.

E apesar de não parecer, do ponto de vista da empresa tudo isso tem a função de melhorar nossa entrega final. Porque o profissional trabalha mais motivado quando entende que ser alocado eventualmente em um projeto menor ajuda a empresa a fazer caixa para, dali a alguns meses, emplacar um curta autoral. O funcionário que vê na empresa uma possibilidade concreta de seguir sua evolução profissional, entrega melhor. E, por mais distante que possa parecer, um simples alongamento diário ou um violão encostado na sala de trabalho não só melhora o local de trabalho, mas deixa a equipe mais entrosada e, consequentemente, mais produtiva.

Então quando o Nubank cria um ambiente interno adequado, isso transborda e se torna palpável para seus clientes. A cultura se torna um diferencial inimitável. Por isso ela é tão valiosa. Por isso a gente corre tanto atrás disso.

Então o Zoom que me desculpe…

Mas é muito difícil replicar toda essa riqueza de pessoas presentes em um espaço físico através de vídeo-conferência e sticker do Zap. A interação é simplesmente muito pobre, muito ineficiente e muito mediada. Você fica amarrado em limitações de infra-estrutura, como a qualidade da conexão; de equipamento, como mics e câmeras pra todos os envolvidos; e também de interface, limitando a interação apenas ao que cada plataforma permite, seja voz, vídeo ou, pior, texto.

Essa é uma reflexão inevitável em tempos de corona mas acho que é válida também para o mundo pré/pós quarentena. Será que não é mais interessante para um freelancer topar o esforço do trabalho alocado, se ele entender que tem muito a aprender com o jeito de trabalhar daquele cliente? E para o estúdio, será que não vale a pena alugar uma máquina para trazer para dentro um artista que tenha muito a agregar para equipe?

Não vou mentir. Existe um bom número de benefícios de fazer home office e nós, que podemos nos dar a esse luxo, devemos sempre ser gratos por esse privilégio. Mas quando o projeto é construir uma instituição que tem uma cultura própria e um jeito único de ser e trabalhar, não existe tecnologia que substitua o contato presencial diário. Não ainda.

Esse é um ponto de vista altamente enviesado pelo fato de, enquanto sócio, eu ser o defensor dos interesses do estúdio. Queria muito ouvir outros pontos de vista sobre o assunto. Fiquem à vontade.

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