Nos primórdios da cultura de anime, muito antes de eventos como a Comiket ou a Anime Expo se tornarem referências globais, dois curtas de animação chamados Daicon III e Daicon IV marcaram a história. Esses curtas não só destacaram o potencial dos animadores amadores, mas também representaram o ponto de partida de um dos maiores estúdios de anime de todos os tempos: Gainax. Produzidos como vídeos de abertura para as convenções de ficção científica Daicon em 1981 e 1983, os dois curtas simbolizam a criatividade descomprometida e a paixão de uma geração de fãs de anime.
Daicon III: A Jornada Começa
Em 1981, a Nihon SF Taikai, uma convenção de fãs de ficção científica, estava prestes a realizar sua terceira edição em Osaka. O seu nome era Daicon III. Um grupo de estudantes universitários entusiastas da animação decidiu criar um curta de abertura para o evento. Esses jovens eram, entre outros, Hideaki Anno, Yoshiyuki Sadamoto, Takami Akai. Ainda desconhecidos do grande público, tinham um orçamento mínimo, mas uma enorme paixão pela animação.
O curta de Daicon III começa com uma jovem garota, conhecida como “Daicon Girl”. Ela tem a função de transportar um copo de água para regar uma planta mística. Ao longo do caminho, ela enfrenta diversas criaturas e figuras icônicas da ficção científica ocidental e japonesa. Entre eles, Godzilla, naves de Star Wars, robôs gigantes e super-heróis. A sequência, cheia de ação e criatividade, destaca a colisão de diversas referências da cultura pop. Além disso, já demonstra a ambição dos animadores em unir elementos globais de ficção científica e fantasia.
O curta foi recebido com entusiasmo pelos participantes da convenção. Não só pelo nível surpreendente de qualidade para um projeto feito por amadores, mas também pela ousadia em combinar tantas referências icônicas.
Daicon IV: O Apogeu da Criatividade
Dois anos depois, em 1983, o grupo voltou para criar a sequência para a quarta edição da convenção, Daicon IV. Dessa vez, eles tinham mais experiência, mas ainda um orçamento extremamente apertado. No entanto, o que se seguiu foi um dos curtas de animação mais celebrados de todos os tempos.
O curta de Daicon IV começa onde o anterior terminou. A Daicon Girl agora adulta e pronta para enfrentar uma gama ainda maior de personagens icônicos da cultura pop, desde Ultraman até Darth Vader. O ponto alto do curta é uma sequência espetacular ao som da música “Twilight” da banda britânica Electric Light Orchestra (ELO). Nessa sequência, a Daicon Girl enfrenta uma onda de inimigos e, em seguida, transforma o mundo em um vibrante campo de flores, com o logo da Daicon brilhando ao fundo.
Esse curta não só foi tecnicamente superior ao primeiro, mas também representou um marco na história da animação pela forma como fundiu de maneira dinâmica personagens e universos diversos. As referências culturais, aliadas à animação incrivelmente fluída e cheia de energia, transformaram o vídeo em uma obra-prima do fanmade.
O Impacto e o Legado de Daicon III e IV
Os curtas de Daicon III e Daicon IV tornaram-se cultuados e influenciaram diretamente a criação da Gainax, estúdio responsável por obras como Neon Genesis Evangelion e Gunbuster. Muitos dos que trabalharam nesses curtas se tornariam figuras-chave na indústria de anime nas décadas seguintes.
Além disso, o uso desinibido de personagens e elementos de diversas franquias estabeleceu uma nova relação entre os fãs e a cultura pop. A promoção da ideia de que a ficção científica e o anime eram parte de uma cultura global interconectada. Apesar de a exibição desses curtas ser limitada hoje em dia devido a problemas de direitos autorais envolvendo o uso não licenciado de personagens e músicas, o impacto cultural deles permanece até hoje, simbolizando o início de uma era de fãs que moldaram a indústria do anime.
Conclusão
Os curtas Daicon III e Daicon IV não são apenas curiosidades da história da animação, mas sim pilares de uma mudança na forma como o anime seria produzido e consumido nas décadas seguintes. Eles representam o poder da paixão dos fãs, a criatividade sem limites e a capacidade de transformar projetos amadores em marcos culturais. Mais do que simples homenagens à ficção científica, eles simbolizam o início de um novo movimento no mundo do anime, um movimento que continua a influenciar criadores e fãs ao redor do mundo.