Foco e múltiplas tarefas

Você está trabalhando no seu motion, o celular pisca, uma notificação de um amigo perguntando se você vai entrar pra jogar hoje. Você pega o celular e responde entre um keyframe e outro. Sua mente vaga para o seu apartamento e as compras que você precisa fazer. Você esqueceu a pasta de dente da última vez, melhor fazer uma lista. Você volta a trabalhar, tentando focar, mas deixa o app de notas aberto para ir preenchendo a lista do mercado. Tocando de fundo, aquele vídeo do Manual do Freelancer que você precisa assistir e você, com a vã esperança de que talvez internalize as informações enquanto se esforça em cumprir os prazos dos clientes.

Caso você tenha se identificado com esse texto, você provavelmente pode ser classificado como alguém com uma rotina multitarefa, essa habilidade muito debatida e que traz muitas polêmicas consigo. Quem nunca ouviu aquela frase: se você faz várias coisas ao mesmo tempo você não faz nada direito? Em contrapartida, as demandas de trabalho exigem que você equilibre diferentes atividades e muitas vezes falta tempo pra tudo isso. Metade do mundo quer que você seja multitarefa e metade quer que você seja focado. Será que essas habilidades não podem trabalhar juntas de alguma forma?

Sendo honesto, minha opinião sobre isso mudou durante a minha vida. Na época da faculdade eu me vangloriava da habilidade de fazer vários trabalhos, estudar para provas e conseguir ter uma vida social. Depois, quando a rotina de trabalho se tornou presente, eu percebi que ser multitarefa estava me esgotando e fui para o pólo oposto: comecei a focar em uma coisa só. Funcionou bem durante um tempo, mas percebi que minha criatividade estava estagnada e que era cada era mais difícil manter o foco naquela tarefa. Pesquisando sobre formas de ampliar minha criatividade eu acabei me deparando com um vídeo do Tim Harford falando sobre multitasking em slow motion e vou compartilhar alguns insights que tive ao assistir essa palestra.

Ter múltiplos projetos é uma das melhores coisas para estimular a criatividade. O nosso cérebro funciona de forma similar a uma rotação de cultura. Para quem não sabe, a rotação de cultura é uma técnica de plantação utilizada para manter o solo fértil. Você começa plantando um determinado alimento; depois da colheita, ao invés de plantar a mesma cultura, você planta outro produto vegetal que age de forma diferente no solo. Isso ajuda na recuperação do solo e evita que ele fique esgotado. Isso também acontece na nossa mente: se dedicar a tarefas diferentes estimula e “fertiliza” o cérebro com novas ideias. É aquele momento onde você descobre a solução para um problema de trabalho durante uma conversa no bar com os amigos. O exemplo que Tim Harford usa é o de Einstein.

Einstein se perguntando se dá pra adicionar atividades lucrativas e ilegais na rotina. Fonte: unsplash

Enquanto trabalhava na teoria da relatividade, Einstein muitas vezes espairecia trabalhando num projeto para descobrir a base teórica necessária para fazer raios laser funcionarem.  Essas duas tarefas diferentes, mas ambas estimulantes para Einstein, provocavam uma espécie de fertilização cruzada de ideias e estimulavam o pensamento. Ele fazia isso com várias áreas de interesse, muitas vezes publicando simultâneamente artigos de assuntos completamente diferentes.

A diferença entre esse tipo de multitarefa é a forma como ela é utilizada e aí entra a parte slow motion. Isso não quer dizer fazer várias coisas ao mesmo tempo, só que extremamente devagar (o que seria engraçado), mas trocar o seu foco entre diferentes tarefas que você tem muito interesse. O cenário que eu descrevi no início do artigo é a forma prejudicial de ser multitarefa, algo que fazemos não só no trabalho, mas também nos momentos de lazer. Quem nunca ficou navegando em redes sociais enquanto assistia uma série na Netflix?  O grande problema é que adquirimos o hábito de pensar no lazer quando estamos trabalhando e no trabalho quando estamos com amigos e família. A própria atividade de assistir tv ou vídeos em redes sociais passivamente não ajuda a mente a descansar, na verdade, de acordo com o psicólogo Mihaly Csikszentmihalyi (o escritor daquele famoso conceito de Flow), essas atividades estão intimamente ligadas à depressão.

Ok, mas eu não sou Einstein, como eu faço pra utilizar a multitarefa em slow motion na minha rotina? Talvez você já esteja fazendo isso sem perceber, então vou introduzir a ideia de hobby sério. Um hobby é algo que você faz essencialmente por prazer e muitas vezes é algo tão estimulante que você se vê dedicando bastante tempo e energia para aquela atividade. Ele se torna um hobby sério, mas não confunda com querer ser o melhor nesse hobby ou ter uma performance absurda. É algo que te diverte e te estimula mentalmente e que, sem perceber, você pesquisa e quer saber mais sobre, talvez até se envolver com comunidades que também gostam daquela atividade. O importante é ser algo diferente do seu trabalho ou área de estudo principal, o que vai permitir esse cruzamento de ideias e refrescar sua mente. Eu escolho pelo feeling: se depois de um dia longo de trabalho eu penso na atividade e fico com preguiça, eu sei que não é o hobby ideal pra mim. Procure algo que ajude a relaxar a parte do cérebro que você usou durante a maior parte do seu dia e que geralmente te deixa feliz quando termina. 

Então, foco e múltiplas tarefas podem funcionar juntos sim, desde que você mantenha sua atenção durante cada atividade. Durante o trabalho você desliga as notificações de amigos e foca no trabalho. Durante o hobby você desliga as notificações de trabalho e foca no seu hobby. Com amigos e família você esquece trabalho e hobby e foca nas pessoas. Dessa forma você consegue se dedicar a diferentes coisas que são importantes para você sem ficar exausto. Múltiplas tarefas, mas em espaço de tempo separados.

Um mega abraço em slow motion pra vocês e boa semana!

Comentários

comments