Todo animador e motion designer tem um ídolo. Alguém que nos inspira a melhorar cada vez mais até chegar no seu nível. Os ídolos nos deixam empolgados com a profissão e, assim, nos empurram pra frente!
Mas existe uma realidade diferente. Às vezes, nos comparar com artistas mais experientes pode gerar um certo desânimo e a sensação de que nunca chegaremos naquele patamar. Isso geralmente acontece quando nos comparamos com pessoas mais próximas que não são, necessariamente, “celebridades” do Motion.
Este artigo é uma discussão sobre a nossa mania de se comparar com os outros.
Privilégios
Alguém que nasceu e viveu em Los Angeles está a anos luz na frente de um brasileiro que sonha em ser contratado pela Buck. O brasileiro teria que se esforçar para aprender o idioma, conseguir um visto, ter dinheiro para viajar e ainda ser bom o suficiente para ser contratado. O americano só precisaria ser bom o suficiente.
O Brasil é um país de grandes desigualdade e a ascensão social aqui é algo muito difícil. Vivemos em um sistema que privilegia os mais ricos e aumenta cada vez mais a desigualdade. Não quero falar de política, mas não posso deixar de lembrar da palestra da Bee Grandinetti no último evento Anymotion.
A Bee é uma brasileira, de Belo Horizonte, que hoje tem um reconhecimento muito grande na comunidade do Motion Design mundial. Eu, especialmente, teria muitos bons motivos para me comparar com a Bee. Ela se formou em Design na mesma faculdade que eu (alguns anos antes de eu me formar) e hoje considero que estou em um nível bastante abaixo do dela.
Porém, no Anymotion 2019, a Bee fala muito sobre como ela teve privilégios para chegar onde está. Pouco depois de formada, ela teve condições de estudar na Hyper Island, na Suíça, uma das escolas de criatividade mais fodas do mundo. Quantos brasileiros teriam condições de fazer o mesmo?
Uma vez na Europa, com o inglês fluente e com a Hyper Island no currículo, foi bem mais fácil conhecer gente, se relacionar com estúdios e conseguir trabalhos relevantes. A própria Bee admite a sorte que teve – claro, o talento dela é indiscutível, mas mesmo assim, ela teve facilitadores.
A jornada do autoconhecimento
Mas este assunto não termina em privilégios financeiros. Algumas pessoas passam muito tempo tentando descobrir o que realmente amam fazer. Outras precisam experimentar coisas diferentes. Fazem uma faculdade aqui, desistem (para o desespero dos pais), mudam de profissão, até se encontrar em alguma coisa. E este é um processo de autoconhecimento extremamente necessário para estas pessoas. O pior é quem escolhe uma carreira que detesta mas tem medo de mudar de direção, passando a vida toda odiando o próprio emprego.
Eu não passei por isso. Desde cedo eu soube que queria ir para uma área criativa e o design se apresentou para mim como única opção. Isso fez com que eu começasse antes de muita gente a estudar e evoluir na área em que atuo hoje.
O que faz deste projeto tão bom?
Muitas vezes, aqueles projetos que nos desanimam e nos fazem sentir que “nunca chegaremos naquele nível”, têm algum segredo por trás. Eis um bom exemplo.
Faz muito tempo que acompanho o Jorge Canedo Estrada. Ele é um mestre em fazer animações complexas para explicar conceitos de forma abstrata. Recentemente ele fundou o estúdio Ordinary Folks, que tem aquele portfólio que, só de ver, você desanima. Parece que não dá pra chegar naquele nível.
Acontece que, recentemente, o Ordinary Folks compartilhou alguns projetos abertos de suas animações. Projetos super complexos com centenas de elementos se movendo ao mesmo tempo. E adivinha? O trabalho deles é quase todo criado a partir de expressões! É daí que conseguem atingir um nível tão alto de complexidade.
Provavelmente, eles trabalham com pessoas que realmente dominam expressões no After Effects, ou seja, usam códigos de programação para fazer as animações. E eu que sempre admitirei a quis alcançar a perfeição do trabalho dos caras, me perguntei: eu estou mesmo disposto a gastar um bom tempo estudando linguagem de código para aplicar no meu trabalho? – o que é algo um tanto complexo. Acho que não! Ou seja, se eu não estou disposto a isso, eu não posso comparar meu trabalho ao deles.
É muito interessante descobrir o que faz certos trabalhos tão impressionantes. Às vezes, o resultado é mesmo fruto de um conhecimento técnico muito apurado que você vai ter que ralar muito para aprender. Ou, também, pode ser fruto de expertises que você não quer desenvolver. Porém, entendendo isso, você vai saber exatamente o que tem que fazer para chegar no nível daquele profissional. No caso do Ordinary Folks, a resposta é “estudar programação”. Muitas vezes, também, o que impressiona em um trabalho é um design excelente. E nesse caso, você precisa estudar e aprimorar sua direção de arte.
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O importante é se preocupar com a sua própria trajetória e desenvolvimento. Não olhe pro lado. Cada pessoa tem sua história, seus talentos e suas facilidades. Você não precisa chegar em um certo nível rapidamente. Você só precisa continuar evoluindo sempre.
O trajeto deve ser tão legal quanto a chegada. Divirta-se aprendendo animação e pare de pensar o quão rápido você vai chegar em algum lugar. “Cada um tem o seu tempo” não é só uma frase de auto-ajuda clichê. Isso é realmente verdade.
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A imagem de capa deste artigo é do ilustrador turco Mete Kaplan Eker.