Será que o futuro pode ser somente de freelancers, onde os estúdios teriam suas staffs muito reduzidas e trabalhariam apenas com uma rede de freelas? Quais os motivos que levam os profissionais a se tornarem freelancers e por que isso está mudando o nosso mercado?
Quais os motivos que levam os profissionais a se tornarem freelancers?
Salário fixo vs. orçamento do freelancer – Essa é uma das principais questões que brilha aos olhos dos profissionais que querem se tornar freelancers. Diferente do valor “x” mensal do trabalho fixo, o freelancer recebe o valor todo sozinho, pois a empresa é composta apenas por você, o que pode ser muito lucrativo, com exceção dos trabalhos em que outras pessoas estão colaborando juntamente contigo. Há casos em que se consegue superar o valor mensal do trabalho fixo de mesmo nível com apenas um projeto.
Liberdade – Tecnicamente, sendo um freelancer em tempo integral, é vantajoso você poder trabalhar a hora que quiser. O freelancer é contratado como PJ e não tem comprometimento com um horário fixo, contanto que entregue as demandas nos prazos acordados. E ainda por cima há oportunidades de se trabalhar com diferentes tipos de profissionais, estúdios e projetos, escolhendo quais projetos pegar e como direcionar suas técnicas. Porém, tenha cuidado com a flexibilização do tempo de modo desordenado. Escolha o período do dia ideal para você trabalhar, definindo-o como horário comercial, pois além da parte de produção há também a parte do atendimento; não é recomendado você ficar disponível 24h por dia para o cliente.
A força da marca que o freelancer possui – Criar uma marca própria e ver essa marca consolidada. E essa marca não é simplesmente o seu nome próprio, é interessante criar um nome fantasia para sua marca. É importante investir seu tempo em criar a sua identidade visual, e lá na frente você perceberá o quanto as pessoas se importam com esse seu apreço. Isso gera um pensamento de “se o cara investiu o tempo dele para fazer isso, o que ele fará quando eu pagar ele para fazer isso pra mim?”. Não é por não ter um estúdio que você não tem que investir na sua marca. Esse é o seu apreço pelo próprio trabalho pra fazer algo visualmente atrativo. Lembre-se que o motion design é uma área que envolve design, então o mínimo que se espera do profissional é o branding da própria marca.
Como o mercado tem respondido a essa alta demanda de freelas disponíveis?
O mercado tem demandado mais freelas e também está surgindo mais freelas. É o mercado que vê a necessidade de ter mais freelas, ao mesmo tempo que estúdios começam a enxugar sua staff e contratam apenas freelas, pois daí cai o custo de manutenção cai absurdamente e pagam apenas pelo que produzem. Uma coisa que é preciso tomar muito cuidado é o lance da tendência totalmente distorcida de freelancers serem contratados como PJ mas como se fossem CLT. Quando começa a ter uma demanda maior de freelancers no mercado, você começa a perceber que o mercado começa a distorcer também a carreira de freelancer. Talvez a mais grave dessas distorções seja uma empresa contratar um freelancer como PJ e exigir que ele tenha postura de CLT. Pedindo exclusividade por “x” tempo com um contrato que pode ser finalizado a qualquer momento desde que haja acordo entre as partes, ou seja, você fica condicionado a empresa aceitar ou não que você se demita, e que se não fizer um aviso prévio você pode ser penalizado e ter que arcar com o prejuízo que você vai causar à empresa. Tudo isso são coisas que não tem o menor cabimento, sendo que você é contratado PJ. Mesmo que você seja fixo, você nada mais é do que um freelancer prestando um serviço a um cliente, mas a empresa quer te obrigar a uma postura CLT sem que ela tenha nenhuma obrigação trabalhista para contigo. O PJ não tem chefe, não tem horário e qualquer obrigação com a outra parte a não ser o projeto em questão. Você como PJ é uma empresa e é contratado por outra empresa, e isso configura em nada mais do que prestação de serviço. Esse é um ponto de distorção bem cruel que anda rolando no nosso mercado e é necessário muito cuidado com isso, principalmente quem está começando, de não permitir esse tipo de abuso. Não entre nessa de trabalhar como PJ em regime CLT, inclusive isso configura crime trabalhista.
Quais são os conhecimentos, além da animação, que a carreira de freela pode nos dar?
Como freelancer você não tem mais um chefe que fica te ditando tudo o que você precisa fazer e você só pensa na animação. Você acaba ficando muito safo na questão financeira, você aprende a montar orçamento, aprende o real valor do seu trabalho. É difícil ter essa noção trabalhando fixo ganhando um valor “x” para fazer 20/30 peças no mês. Ter essa noção e ter mais controle do quanto vale o seu trampo é muito legal e muito significativo. Sem falar na noção de empreendedorismo que também é muito significativa; ter a noção de que você é seu próprio chefe, que você não vai apenas animar, tendo que fazer outras coisas como orçamento, atendimento, contrato, etc. Então, você desenvolve várias habilidades (soft skills). Você desenvolve também um jogo de cintura para falar com clientes, impor os seus termos e propor soluções. Você tem a sua própria maneira de conduzir os trabalhos, sendo infinitamente mais gratificante do que somente ir falando sim pra tudo, que é o que realmente ocorre quando trabalhamos fixo.
Essa live contou com a participação especial de três profissionais da área que enviaram seus áudios contando um pouco sobre a decisão deles de se tornarem freelancers de modo definitivo.
Áudio a Louise Bonne, ilustradora e animadora 2D freelancer, de Ilha Bela/SP (para ouvi-la, basta pular o vídeo para o momento 25:20):
“A primeira vez que comecei a pensar bastante sobre me tornar freelancer foi quando me apaixonei por um menino de outro estado. Ficar presa em uma só empresa e em um só lugar não estava fazendo mais sentido pra mim. Eu ficava pensando sobre o futuro, como a gente ia morar junto se estou presa em uma empresa, como isso vai acontecer, e aí vi que a vida de freelancer realmente ia tornar isso viável. Outra coisa que me fez ponderar bastante foi que eu detestava viver em cidade grande. Eu comecei a trabalhar em uma cidade grande, e, como a minha especialidade é mais focada em animação de personagem, eu comecei em um estúdio de séries, e esses estúdios geralmente estão em cidades grandes; Rio de Janeiro ou São Paulo, e agora estão começando a surgir em outros focos do Brasil, mas os principais estúdios ficam nessas cidades. Então achei que seria melhor eu me tornar freelancer e escapar desses centros urbanos que eu não gostava. Outra coisa que vi mais quando estava quase virando freelancer era que muita coisa iria ficar na minha responsabilidade; cuidar de finanças, organização pessoal, contrato, tudo isso iria ficar nas minhas mãos. Eu particularmente gosto muito dessa parte, de estar no controle das minhas coisas. Eu gosto de ver se estou crescendo ou não, o que eu posso melhorar. A vida de freelancer possibilita mais isso, ter o controle de que você pode crescer ou não. Às vezes você está em uma empresa e demora para você progredir de cargo, e eu achava essa demora um pouco complicada, porque às vezes você tem algum objetivo de vida e precisa de mais dinheiro, e assim não tem muito controle se pode subir ou não. Enfim, nisso você tem realmente mais controle na vida de freelancer. Outra coisa que gostei, mas percebi só depois que virei freelancer, no final de 2020, foi que o vínculo empregatício não é tão forte na vida de freelancer. Se você não está gostando de um trabalho ou de uma parte que você está fazendo, você tem mais liberdade para abrir mão disso, sair e buscar outra coisa. As pessoas, no máximo, vão pedir uma indicação pra você de outro profissional. Então, não ter esse vínculo te deixa mais livre, e gostei muito de ter mais liberdade de escolha. E como você vai pegando vários trabalhos muito diferentes, que é outro ponto positivo da vida de freelancer, você não fica só em um trabalho que é muito parecido, você vai vendo do que você gosta mais, então você pode direcionar a sua vida e seus estudos para aquele trabalho que te deixa mais confortável e mais feliz.”
Áudio do Caique Oliveira, motion designer freelancer, de Campinas/SP (para ouvi-lo, basta pular o vídeo para o momento 49:33):
“Meu primeiro contato com motion, na verdade, foi freela. Eu fazia intro para Youtube quando era adolescente e tive uma experiência prévia de como era ser freela. Eu nem sabia o que era ser freela naquela época, mas depois eu entrei em uma produtora de vídeo e fiquei lá por cinco anos. Lá eu atendia agência, então era uma agenda muito cheia; eu fazia ‘pastel’, animação de cartela maçante aos montes, então lá eu tive uma experiência muito grande com diversos projetos e conhecimento de mercado, mas também me fez cansar um pouco. Acabou que depois desses cinco anos eu não aguentava mais, ia mudar de cidade, aproveitei e mudei de fixo para freela. Enquanto freela eu atendia o canal Ciência Todo Dia, então eu também tive essa experiência trabalhando como freela fixo. Atualmente, eu só atendo projetos como freela, então atendo às vezes diretamente algum cliente, ou estúdio, agências e produtoras de vídeo. E, definitivamente, é isso que eu gosto e o porquê eu sou freela; a liberdade e capacidade de pegar diferentes tipos de projetos e as diferentes formas de conduzir eles, organizando da melhor forma seu cronograma e encaixando os seus afazeres do dia dentro do cronograma dos projetos. Isso é algo que me dá uma liberdade muito grande, e que definitivamente eu gosto muito enquanto freela. E também a possibilidade de trabalhar quieto em casa. Como falei, foram cinco anos de produtora e eu realmente dei uma cansada. Era produtora que atendia agência, então era muita correria e, às vezes, uns trabalhos assim que não eram tão legais de animar. A gente sabe o dia a dia das agências e produtoras… Depois dessas experiências que eu tive, tanto na produtora quanto sendo freela fixo, eu entendi que era realmente muito mais vantajoso ser freela, pela capacidade tanto de crescimento, que a gente tem pegando diferentes projetos, interagindo com diferentes clientes e profissionais da área. A gente tem contato com diferentes freelas e estúdios, então a gente vai absorvendo um pouco do workflow de todo mundo e aprendendo como funciona, e acho que é algo muito daora que acontece enquanto freela. E, também, o retorno financeiro é muito grande. Já teve projeto de eu ganhar o equivalente ao que eu ganhava no ano inteiro da produtora, então é algo que é muito gratificante também. A gente faz um projeto daora, conduz ele, e ainda tem um retorno financeiro que é muito bom. Eu entendo também que freela não é pra todo mundo, tendo pessoas que não se adequam em trabalhar sozinho em casa organizando seu próprio cronograma, aí às vezes é melhor trabalhar em uma produtora ou agência. Mas eu tive as duas experiências e entendi qual funcionava melhor pra mim. Então, foi muito bom. Essa experiência na produtora me ajudou bastante a me guiar como freela hoje em dia.”
Áudio do Guly Porto, motion designer freelancer, de São Paulo/SP (para ouvi-lo, basta pular o vídeo para o momento 01:03:05):
“Eu comecei como estagiário lá no Etapa enquanto fazia faculdade, e foi bem legal. Eu editava e gravava aulas para o EAD, então eu aprendi a editar lá, aprendi um pouco de motion com eles, gostei, e fui fazer alguns cursos presenciais de After Effects. Eu fiquei lá um pouco mais de um ano, saí de lá e fui para uma produtora de vídeo que tinha o foco em projeções mapeadas de quinze até vinte metros. Foi um aprendizado muito louco e muito diferente de tudo que eu já tinha feito. Lá eu também conheci alguns profissionais e amigos que me ensinaram muito e foi muito importante esse trabalho eu aprender também a lidar com clientes. Às vezes engolia algumas coisa que são necessárias pra conseguir tocar o job, né. Até que eu enjoei de ficar lá por causa de algumas coisas da política deles que não me agradava muito, e eu saí. Mas eu não saí pensando em virar freela, eu simplesmente queria sair. Como era CLT eu sabia que tinha um seguro desemprego que eu podia ficar um tempo tranquilo, e não procurei trabalho nesse tempo, mas os amigos e contatos que fiz lá começaram a me passar jobs de freela sem eu pedir, e isso foi muito legal e muito importante pra mim. Até hoje muitos amigos meus me passam freela, então acho que um dos pontos mais importantes da minha carreira foi manter boas relações com as pessoas. E não querendo algum ganho disso, mas por ser meu natural mesmo de ter boas relações. Isso é muito importante, porque hoje alguém te indica, amanhã você indica essa pessoa, e tudo vai girando ao redor disso. Se tem alguém querendo virar freela hoje estando em um trabalho fixo, o mais seguro é tentar pegar alguns freelas já enquanto está nesse trabalho para que, de certa forma, criar um portfólio e uma caderneta de clientes para, quando você sair do fixo, ser mais seguro e não se jogar tanto. Na época que fiz isso eu morava com os meus pais, então não era tão difícil pra mim assim, tendo essa possibilidade de mudar de emprego. Hoje, se fosse pra ter uma mudança tão drástica, eu iria com mais calma, mas não penso em voltar a ser fixo, porque a vida de freela pra mim é muito boa. Eu faço todos os meus horários, escolho com quem eu vou trabalhar, trabalho em casa e minha esposa também, ficamos muito tempo juntos e isso pra mim é uma das melhores coisas. E, financeiramente, eu nunca fiz tanto dinheiro como com freela. Então eu acho que vale muito a pena, mas minha recomendação é essa de ir por um lado mais seguro do que eu fui.”
Durante a live, uma enquete ficou disponível para quem acompanhava ao vivo votar. A pergunta da enquete foi “Você acha que no futuro seremos todos freelancers?”. Com 329 votos, o resultado da enquete foi:
- Sim – 73%
- Não – 26%
Este artigo é um resumo do que foi abordado na live O FUTURO É FREELANCER, episódio 39 do Manual do Freelancer.
O Manual do Freelancer é uma série de lives apresentadas por Dhyan Shanasa e Ester Rossoni (os Supernova Duo), trazendo dicas para a comunidade e aprofundando na parte mais burocrática da indústria de motion design e animação. As lives do Manual do Freelancer acontecem nas segundas-feiras às 16h, no canal do Layer Lemonade no Youtube. Você pode conferir todos os outros episódios na playlist do Manual do Freelancer. Logo após o término da live, o episódio fica disponível automaticamente no canal.
Assista a live na íntegra (disponível acima, no começo deste artigo) para conferir todo o conteúdo discutido a respeito desse tema. A parte final da live é dedicada a responder perguntas, deixadas pela comunidade no chat ao vivo e também na caixa de perguntas disponibilizada no Instagram do Layer Lemonade e do Supernova Duo. Contamos com a sua presença na próxima live do Manual do Freelancer, na segunda-feira às 16h.