Com um crescimento cada vez maior da indústria do cinema, animação e games em cidades como Vancouver, Montreal e Toronto, o Canadá tem sido um dos principais países de imigração para designers, animadores, vfx e concept artists do mundo todo (muitos deles brasileiros) nos últimos anos.
Boa parte desse crescimento foi impulsionada pela mudança ou expansão de muitas empresas tradicionalmente alocadas na Califórnia. Por ser também um país conhecido pela amabilidade das pessoas – comparado com outros países -, aos imigrantes o Canadá é um lugar dos sonhos para muitos: maiores oportunidades de emprego na área criativa, uma cultura aparentemente aberta a estrangeiros, e condições de vida mais estáveis e baratas.O Layer Lemonade quis saber, então, de alguns brasileiros que estão lá a alguns anos, o quanto dessa imagem é mais mito que realidade, e como tem sido a experiência desses brasileiros ao mudar de casa e cultura.
Nosso segundo papo foi com a Dani Fischer, que é animadora 2D e ilustradora, trabalhou em séries de animação no Rio de Janeiro e há dois anos está no Canadá, também animando para séries de TV.
Layer Lemonade – Oi, Dani! Primeiramente, conte-nos como você decidiu que seguiria carreira na animação? E como você aprendeu: escolas, cursos online, estágios, freelas, estudando sozinha?
Dani – Bem.. Comecei fazendo faculdade em design de produto. Eu gostava bastante, mas percebi que no geral, não queria projetar móvel pra Tok&Stok pro resto da vida – porque esse mercado no Brasil é meio limitado -, e não tinha muita noção de como usar isso pra seguir uma carreira fora do Brasil. Aí consegui meu primeiro estágio mais sério com Motion Graphics. Comecei a gostar mais porque tinha um pouco de animação envolvida, mas ainda assim não era bem o que eu queria. Queria animação de personagem, trabalhar pra desenho animado mesmo. Mas eu não tinha muita noção de onde começar, e cursos fora do Brasil estavam fora de cogitação pelo custo. Então procurando no Google, achei esse curso de animação tradicional do Evanildo Pereira na 2D Lab e comecei a fazer. Continuei no meu emprego de motion graphics pra juntar dinheiro e pagar pelo curso, até que surgiu um processo seletivo na própria 2D Lab, quando rolou uma contratação em massa de animadores. Fiz os testes, passei, e desde então fiquei trabalhando só com animação de personagem. No fim, acredito que foi um monte de tudo. O curso, fazer os exercícios em casa, buscar outros tutoriais e exercícios, e o primeiro emprego me ensinaram muito do uso prático do que aprendi no tradicional aplicado aos programas.
LL- Quais são suas maiores influências artísticas e profissionais, aquelas pessoas ou projetos que a inspiraram a não desanimar e seguir em frente?
D- Tenho alguns artistas que me trazem inspiração artística como James Jean, Kim Jung Gi, Claire Wendling, alguns trabalhos da Golden Wolf, entre outros . Em termos de inspiração motivacional, gosto muito do Chuck Jones. Ouvi algumas entrevistas dele, achei muito legal o que ele diz sobre conduta de trabalho vs animação e qualidade. Ele criou personagens e histórias atemporais mesmo com todas as limitações que o mercado na época impunham aos projetos. Confesso também que muito da minha inspiração motivacional vem de colegas de trabalho que observo e admiro muito. O tipo de conduta que eles têm com certos eventos que a vida traz. Tento ter sempre esses exemplos que acontecem muito perto mim em mente pra me trazer força em momentos mais difíceis.
LL- Como você foi parar no Canadá? Onde trabalha no momento?
D- Depois de estar trabalhando um tempo, consegui juntar dinheiro pra fazer um curso na Califórnia, chamado Concept Design Academy * , e os planos de estudar casaram bem com a época da CTN , que é uma feira de animação que acontece todo ano em Burbank, Califórnia. Preparei meu portfólio e mostrei pra algumas empresas que estavam recrutando lá, até que uma delas gostou e patrocinou meu visto de trabalho pra vir pro Canadá. A feira aconteceu em novembro, e vim pra Vancouver trabalhar pra Bardel em março do ano seguinte. Fiquei na Bardel por quase um ano e no momento estou na DHX.
*o Layer Lemonade também recomenda muitíssimo qualquer aula desse curso, experiência própria. 😉
LL- Como foi o processo para conseguir o visto de trabalho? Quanto tempo demorou?
D- Entrei aqui direto do Brasil sendo patrocinada, ou seja, com um visto de trabalho, que demorou aproximadamente de dois a três meses pra ficar pronto. Só então poderia entrar no Canadá. Esse visto significava que eu somente poderia ficar no Canadá, enquanto trabalhasse pra essa empresa que me contratou e mais nenhuma outra. Depois de um ano trabalhando aqui, comecei minha aplicação pra residência permanente e nisso foram mais sete meses até ter uma resposta. Felizmente consegui, e agora tenho direitos similares a um cidadão canadense (com algumas diferenças e obrigações a mais). Cidadania ainda não tenho, porque é preciso que você esteja morando no país por no mínimo cinco anos.
LL- Comparando o mercado no Brasil e no Canadá, quais são as maiores diferenças que você percebeu:
Na relação dos clientes com os estúdios/profissionais: A mesma praticamente, com um pouco mais de compreensão da relação tempo vs qualidade.
Nos tipos de projeto e nos prazos: Maiores projetos/maiores orçamentos, mas mesmos prazos.
Nas relações trabalhistas e na remuneração: O funcionário tem contrato por projeto, não existem relações trabalhistas com a empresa tecnicamente. É bom dar um mês de aviso antes de se demitir, mas não é obrigatório. Geralmente, se eles precisam demitir alguém, dão duas semanas de aviso ou demitem no mesmo dia e pagam por duas semanas de trabalho. A rotatividade é grande e rápida, e o funcionário fica responsável por administrar os próprios gastos, já que aqui não existe esse negócio de vale transporte e refeição. (Você não precisa virar MEI pra ter um contrato em um estúdio, por exemplo.)
No comportamento dos colegas de trabalho com relação a questão trabalho x vida pessoal? Eles são mais reservados e calados que no Brasil. Mas como ultimamente os estúdios tem contratado muita gente de outros países, a dinâmica muda e as pessoas se abrem mais, saem mais juntas. Por não terem família aqui, é o jeito mais fácil de começar uma amizade.
LL- E o que não muda?
D- A inconstância dos projetos pequenos, contratos curtos e a necessidade de estar sempre em modo alerta à procura de trabalho.
LL- O que você mais gosta da vida no Canadá? O que sente falta no Brasil?
D- A segurança e liberdade de ir e vir ao redor de um país tão grande com tranquilidade; as estações do ano bem definidas (tem atividades específicas pra todas elas); os lagos; a aceitação e tolerância. Sinto falta de um pouco mais de tempo de verão; as praias e paisagens naturais no geral; museus.
LL- Quais você diria que são as maiores ilusões das pessoas quando falam sobre ir trabalhar e morar fora do Brasil?
Acho engraçado porque brasileiro acha que é resiliente, até se ligar que não existe esse negócio de contratar faxineira. O “jeitinho brasileiro” aqui não é vangloriado. Sim, é caro morar aqui, mas é justo e a qualidade de vida é boa. Dá pra ter muitas coisas, PAGAR contas e ter uma vida sendo um animador. Na minha concepção, conseguindo isso, já estou vencendo. Mas algumas pessoas acham que ganhar em dólar significa ficar “$ryco$” e se desapontam quando vêem que não.
Em termos artísticos, as produções de animação aqui são mais setorizadas e pra eles manterem o controle, você não pode simplesmente sair fazendo o que quer na cena. Você tem que comunicar sua idéia primeiro pra um supervisor, e se forem aprovadas todas as medidas necessárias pra mudar essa cena, passarão por outras pessoas primeiro (artista de storyboard, artista de setup, artista de background, etc), pra então a cena voltar pras suas mãos. Já vi muita gente frustrada com isso achando que é muita burocracia e perda de tempo. No fim é só um jeito de manter o projeto mais organizado e a produção poder cobrir o animador, pois eles tomam conhecimento de tudo que precisou mudar e que isso afetará os prazos.
https://vimeo.com/154850319%20
The Tales of Smokey Town – 2016 TRAILER from Péah on Vimeo.
LL- Quais foram/são as maiores dificuldades pra você como estrangeira em um novo país?
D- Bem, cheguei completamente sozinha aqui. Parece bobo, mas a maior dificuldade era no início, quando não conhecia ninguém e não tinha amigos. Lidar com o tipo de pensamento “se eu cair aqui no meu apartamento, bater com a cabeça e me machucar estou a 19 horas de distância de qualquer pessoa que possa me ajudar”; ou “se eu morrer serão 19 horas até algum parente/amigo chegar aqui pra me recolher”.
LL- Qual o melhor conselho que recebeu de alguém na sua área que gostaria de passar adiante para quem ainda está começando, ou que conselho você daria ?
D- Se você está estudando o que você quer fazer como profissão, ótimo(!), não pare, continue estudando. Mas não se mate de estudar, porque terá uma hora que não vai render. Tenha um pouco de vida também, porque faz bem pra alma e eventualmente reflete no seu trabalho sem você perceber. Tudo demora tempo pra acontecer, não será em dois meses, nem em seis meses, ou em 1 ano. Não fique frustrado se ainda não aconteceu. Se você acha que está fazendo por onde, continue assim que sua hora chegará. E sempre repense se os caminhos que você está tomando o estão fazendo feliz. Não se imponha sonhos profissionais alheios, aprenda onde você realmente quer chegar e seja feliz com sua decisão. Tome decisões. Faça exercícios físicos regularmente (esse último conselho ajuda mais do que muita gente imagina!).
Para finalizar, as famosas rapidinhas:
LL- 24fps ou 30 fps?
D- 24.
LL- Animação realista ou cartoon?
D- Os dois. Gosto de variar.
LL- Mac ou Windows?
D- Windows.
LL- Inverno Canadense ou verão Brasileiro?
D- …. Verão canadense! É quente, mas é seco. Adoro (confesso que só faltam as praias).
LL- Limonada ou chá?
D- Limonada.
O Layer Lemonade agradece enormemente à Dani por dividir um pouco de seu tempo conosco nesse papo.
Muitíssimo obrigada e boa sorte na nova casa!