Há pouco mais de 6 anos, em Dezembro de 2013, abri a Histeria! com meu sócio, o Daniel Kano. Nós morávamos juntos e, seguindo o roteirinho do empreendedor precarizado, começamos a empresa com nada além de nossos laptops, nossa mesa da sala e muitos sonhos – coisa da qual me orgulho bastante até hoje, na verdade.
Na época fazíamos freelas de design de apresentações (layoutando Keynote e Power Point mesmo), o Daniel em tempo integral, e eu à noite, depois do meu emprego fixo de redator em agência de social media. Tínhamos uma boa carteira de clientes na área e a ideia era que, enquanto evoluíssemos no motion design, pagaríamos as contas com o design de apresentações.
Com 24 anos e 25 anos, tínhamos também o ingrediente secreto: a total falta de noção do que estávamos fazendo. Com experiência em design e redação em agências, havíamos aprendido a mexer no After Effects há menos de 6 meses àquela altura e, por motivos que só a juventude explica, nos vimos prontos para abrir um “estúdio de animação”.
Por quê? Bem, pelos mesmos motivos que acredito motivarem quem também almeja abrir uma produtora hoje em dia:
- Ganhar mais (se não total) liberdade criativa em nossos projetos;
- Ganhar mais qualidade de vida, tendo horários flexíveis e eventualmente trabalhando menos;
- E, claro, ganhar uma bela grana.
Seis anos depois, muita gente chegou e passou por aqui, fizemos todo tipo de trabalho (mesmo) e alçamos vôos que nunca haviam passado por nossas cabeças. Mas a verdade é que, olhando para aqueles objetivos do começo, as coisas não aconteceram nem um pouco como a gente planejou. Nesse tempo aprendemos que ter um estúdio:
Não é sobre qualidade de vida.
Porque assim como todo mundo vai te dizer, a empresa suga sim a vida do empresário, especialmente o despreparado. Como nós. A gente que vem do criativo demora pra entender, mas a produção é só uma das áreas de uma empresa. Em cima disso vem o atendimento, a precificação e dimensionamento de equipe e recursos, o financeiro, as vendas, sem falar naquela máquina que quebra no meio de um projeto com prazo estourado e, adivinha só, o T.I. é você.
A verdade é que uma empresa é uma máquina incrivelmente complexa e, se deixar, ela vai sugar cada milímetro de seu espaço mental, te levando até a problemas sérios de saúde. Evitar isso é uma luta constante (e se alguém souber como se ganha essa batalha, me avisa).
Não é sobre liberdade criativa.
Porque sempre tem alguém acima que é mais dono da grana que você. Primeiro é seu chefe. Quando você vira o chefe, é o seu cliente. E se você for o cliente, acredite, é pior: você provavelmente tem que responder pra alguém que não tem a menor ideia do que você está fazendo, ou não tem tempo de olhar pro seu trabalho, ou está no escritório global trabalhando no fuso-horário chinês se comunicando via Google Translate.
De maneira muito simples: se até o Tim Miller, que é dono da Blur, quebrou o pau com o James Cameron pelo controle criativo do último Terminator, não vai ser eu ou você que vamos conquistar o controle criativo total em nossas carreiras.
Não é sobre dinheiro.
Porque se por um lado eu realmente parei de “trabalhar pros outros”, também não tenho mais a quem exigir meus direitos. Cada R$ que eu tiro a mais do caixa da Histeria! traz uma consequência a se ponderar. Ou seja:
- Eu posso sim aumentar o meu próprio salário, mas talvez isso deixe meu caixa desprotegido e, no próximo período de baixa de projetos, eu tenha que pegar dinheiro emprestado, ou mesmo demitir parte da equipe;
- Eu posso sim juniorizar minha equipe e praticar salários abaixo do mercado pra aumentar minha margem, mas definitivamente isso vai contra nosso direcionamento do estúdio que queremos que a Histeria! se torne um dia.
Hoje posso dizer que meu salário é bom, mas definitivamente não é excepcional se comparado à realidade do mercado. Digo sem medo que muitos dos freelas incríveis com quem trabalhamos por aqui tiram mais dinheiro pessoalmente do que eu…
…e tudo bem!
Porque depois de 6 anos como dono de produtora, deu tempo de aprender que a recompensa de abrir uma produtora não é trabalhar menos, ter mais liberdade criativa ou ganhar mais dinheiro. Se esses são seus objetivos, vai por mim, existem caminhos melhores para se alcançar cada um deles. Abrir sua produtora é sobre algo que nunca havíamos sequer cogitado:
É sobre as pessoas!
Nesse momento somos em 10 fixos aqui no estúdio, mas ano passado chegamos a ser 16 alocados, com pelo menos mais 10 orbitando entre diferentes projetos. Temos quem esteja beirando os 40 anos de idade e quem nem ainda completou 18. Já tivemos quem veio da publicidade, do design e da animação mesmo. Todos trabalhando juntos, de um jeito só nosso, inventado e cultivado por aqui.
Todos os melhores momentos da Histeria! vieram imediatamente após períodos de contratações. Cada nova pessoa trouxe uma bagagem diferente. Todos com muito a aprender e também muito a ensinar.
Lá no início, eu e meu sócio tínhamos a ilusão de que viraríamos uma dupla de artistas consagrados sem a ajuda de ninguém. Hoje nada me dá mais prazer do que me ver um projeto nascendo e sendo entregue sem que eu sequer tenha encostado nele. Não porque isso significa que eu estou trabalhando menos, mas porque significa que a empresa está caminhando com seus próprios pés, ou melhor, com os pés das pessoas que fazem parte dela.
Possibilitar, acompanhar e retribuir a evolução dessas pessoas que hoje carregam a Histeria! nas costas é maravilhoso. Essa sim é uma recompensa que só abrir minha produtora poderia me dar.
Nos vemos mês que vem.
Esse é meu primeiro artigo aqui no Layer e espero que tenham curtido! A ideia é compartilhar mensalmente experiências pessoais de alguém que veio do criativo, mas que hoje passa a maior parte do tempo entre reuniões, planilhas e e-mails. Espero que minhas experiências possam ser úteis tanto para artistas iniciantes quanto para donos de produtora e outros freelas que, assim como eu, sentem falta de ter com quem trocar experiências. Vamos falando!