Você já tentou dedicar um pouco do seu tempo para entender as nuances de uma imagem? Quais os motivos para uma composição visual agradar mais que outras? Pode parecer que não, mas é muito possível montarmos uma composição com plena certeza do que estamos fazendo e causando. Não basta sair jogando uma cor aqui e uma forma ali, é preciso entender como as pessoas podem compreender a mensagem que você quer passar adiante. Eis que temos aqui a Gestalt.
ESCOLA GESTALT – O INÍCIO DE TUDO
A Gestalt, também conhecida como “a psicologia da forma” foi uma escola de psicologia experimental, que surgiu por volta do século XIX e se firmou quando esses três caras, Max Werthimer, Wolfgang Kohler e Kurt Koffa resolveu testar e fazer alguns experimentos, contribuindo com estudos da percepção, linguagem, memória, inteligência e dinâmicas de grupos sociais. A Teoria da Gestalt busca sugerir uma resposta ao porquê de umas formas agradarem mais que outras.
Em resumo, a ideia é entender que o nosso cérebro não interpreta as coisas igual visualizamos. O cérebro não enxerga pontos isolados, mas sim o todo.
Por exemplo, na imagem a a linha de cima aparenta ser menor que a de baixo; na imagem b as linhas não parecem estar paralelas e na imagem c e d o círculo central parece ter tamanhos diferentes. Entende como costumamos relacionar e não isolar?
LEIS DA GESTALT
Para facilitar o entendimento de como o cérebro humano percebe as imagens, foram determinados alguns princípios de percepção, também chamado de Leis da Gestalt, que servem como uma espécie de guia da leitura visual, permitindo uma articulação interpretativa da forma do objeto. Suas aplicações em algumas etapas da criação podem evitar composições com mensagens desconexas.
As leis foram dividas em 8 princípios: Unidades, Segregação, Unificação, Fechamento, Continuidade, Proximidade, Semelhança e Pregnância da Forma. Pois é, são muitas e elas podem coexistir em uma única forma ou composição. Abaixo preparamos um resumo de cada lei com base em pesquisas e livros que estarão com os nomes disponíveis no final do artigo para possíveis consultas.
UNIDADES
Esse princípio é bem tranquilo de entender, pois nada mais é que o objeto único, que se encerra em si mesmo. Ele pode ser representado pela falta de agrupamento e relações (figura 1) como também pode estar presente dentro de imagens contendo diversos elementos (figura 2).
A multidão, dentro da conceituação mais ampla, constitui uma unidade como um todo – unidade principal. Por outro lado, cada pessoa também pode ser considerada como uma unidade ou como uma subunidade, dentro do todo – unidades secundárias.
SEGREGAÇÃO
Esse princípio seria a capacidade perceptiva de separar, identificar, evidenciar ou destacar unidades em um todo. O cérebro ao ver uma imagem com várias unidades, precisa segregar essas unidades, entende-las unicamente, para depois compreender a composição total.
Nessa imagem feita pelo artista holandês Maurits Cornelis Escher, só conseguimos entender o todo se pararmos para olhar cada unidade. O personagem sobre ou desce as escadas?
UNIFICAÇÃO
A unificação seria o contemplamento perfeito de uma imagem. Ele é verificado quando uma composição contém os princípios de harmonia e equilíbrio visual, mantendo a coerência do estilo formal das partes ou do todo. Para que haja unificação, outras leis da Gestalt podem entrar no jogo, como a Proximidade e Semelhança, que veremos mais a frente.
O conceito de unificação da forma é facilmente compreendido por meio desses quatro exemplos. Na primeira figura, tem-se a unificação perfeita (possui equilíbrio e harmonia pelas próprias leis da Gestalt de proximidade, semelhança, fechamento e boa continuidade).
Na segunda, a unificação é prejudicada por uma unidade vazada e por uma unidade amarela (um ruído visual). Na terceira figura a unificação é mais prejudicada ainda pelo vazio de duas unidades perdidas e por outra que destoa pela forma circular, além de sua cor verde.
Finalmente, na quarta figura, a unificação simplesmente desaparece: perdeu o equilíbrio e a harmonia pela completa desordenação e irregularidade formal e cromática.
FECHAMENTO
No fechamento, conseguimos forçar o cérebro a preencher lacunas de imagens que possuem vazios. É possível agrupar elementos de maneira a fazer nossa mente construir uma figura total, mais fechada ou mais completa.
No âmbito geral, essas composições acabam que possuindo uma instigação artística, pois ao provocar essa atração visual, aliadas a soluções obtidas com sutileza, é reforçado um maior refinamento formal e delicado ao todo.
Essa técnica é frequentemente associada a artes feitas com estêncil, e também está intimamente associada ao campo das logos. Nesse exemplo abaixo, nosso olho enxerga uma seta no espaço vazio entre o E e o X.
Esse é um princípio bem poderoso, tanto para induzir pessoas a olharem para uma imagem de uma determinada maneira, fazendo-a descobrir subcamadas de informações na composição, como também pode ser um belo tiro no pé. – É mais comum do que se imagina encontrar imagens na internet que possuem aquele belo duplo sentido, por justamente não se atentarem ao princípio de fechamento na hora da produção.
CONTINUIDADE
A continuidade, ou continuação, é o princípio que mantem uma organização perceptiva na imagem, de modo a não existir quebras, falhas ou descontinuação na sua trajetória ou fluidez visual. Essa lei pode ser aplicada através do uso de unidades formais como pontos, linhas, planos, volumes, cores, texturas, brilhos, degradês, e outros.
A Gestalt qualifica este princípio utilizando o adjetivo de boa continuidade ou boa continuação. Objetos circulares, esféricos e suas variações elípticas definem-se como tendo uma boa continuidade, pois não há uma interrupção ou desvio de um percurso. Já aqueles elementos que fazem o olho enxergar um caminho além do que está sendo mostrado, são considerados boa continuação. Uma vez que o olho começa a seguir algo, ele continuará viajando naquela direção até encontrar outro objeto.
No exemplo acima a continuidade é bem abstrata, porém efetiva. Em vez de uma image mais perceptiva de um caminho em que o olho tende a perceber sua continuação, foi usado apenas o olhar de um cachorro para exercer a mesma função. Se a imagem deste cachorro estivesse virada para o outro lado, certamente causaria um certo incômodo difícil de explicá-lo.
PROXIMIDADE
Elementos próximos uns dos outros tendem a serem vistos juntos, constituindo um todo ou unidades dentro de um todo. Esse princípio pode ocorrer de forma mais precisa quando há proximidades entre forma, cor, tamanho, textura, brilho, peso, direção e localização. É interessante perceber aqui que o princípio de proximidade e semelhança andam praticamente juntos.
Na imagem acima, a figura do lado esquerdo é vista como um único bloco, enquanto a do lado direito possui três colunas. A quantidade de pontos é a mesma, porém ao criamos uma proximidade de espaço entre elas, passamos essa sensação de divisão.
E um ambiente muito comum para encontrar péssimas aplicações de proximidade (ou a falta dela), são em sites. Se você anda matutando na ideia de criar um portfólio, cuidado para não deixar que todo o site seja percebido como um único bloco.
SEMELHANÇA
Como dito no tópico acima, o princípio de semelhança e proximidade andam juntos, porém como o nome sugere, o de semelhança agrupa formas por similaridades.
Na figura da esquerda, percebemos linhas. Já na figura da direita, percebemos colunas. A proximidade nos faz enxergar dois blocos, enquanto a semelhança cria grupos de bolas e quadrados dentro destes dois blocos.
PREGNÂNCIA DA FORMA
Pregnância é a qualificação da organização visual da forma de um objeto. Um imagem com alto índice de pregnância apresenta o máximo de harmonia, unificação e o mínimo de complicação visual na organização de suas partes ou unidades compositivas. Quanto mais simples for a imagem, mais facilmente ela será assimilada.
Na figura 1 é alto o grau de pregnância, pois a letra K é de clara e fácil leitura. Ela se destaca bem no contexto compositivo, sobretudo, pela sua cor preta, o que provoca um alto contraste em relação aos outros elementos.
Já na figura 2 é menor o grau de pregnância, pois a letra K é apenas de razoável leitura, a figura é menos legível que a primeira, por apresentar elementos rebuscados que se confundem com a mesma linguagem forma e a mesma tonalidade cromática que configura a letra.
GESTALT NO MOTION DESIGN
A animação é uma linguagem muito poderosa, não só pela liberdade e facilidade que temos em contar histórias, mas também por termos a capacidade de controlar o tempo e espaço das informações visuais.
Apesar da Gestalt ser uma linha de pesquisa bem explorada, não é muito comum encontrarmos estudos que analisem o movimento/deslocamento como um estimulador de sensações e de valores agregados aos elementos e formas do objeto.
Em uma entrevista para o Layer Lemonade, Daniel Rodrigues, atualmente animador da Buck LA, nos explicou um pouco como este cenário o estimulou a criar o seu próprio estudo sobre o movimento. Seu projeto de TCC resultou em um vídeo com animações que exemplificam bem como o domínio da forma, atrelado ao movimento, podem despertar sensações e criar significados. O uso do áudio também foi muito importante aqui, mas esse é um tema pra outro papo.
É necessário perceber que estes princípios da Gestalt já estão aplicados a tudo que existe, as vezes mal aplicado, claro, mas de qualquer forma já estão lá. A psicologia da forma é apenas um meio por onde buscamos entender o que estamos compreendendo de uma imagem, mas a imagem por si só já existe.
Então não é que necessariamente tenha motion design focado em Gestalt, pois todo motion por si só vai carregar algum desses princípios em suas formas.
Abaixo selecionei alguns vídeos que carregam essa dose muito bem aplicada da Gestalt, seja por manterem uma mensagem visual muito clara e de fácil associação (pregnância da forma), ou uma continuidade que nos guia de forma muito fluida e eficaz, sem deixar essa tarefa maçante. Enfim, acho que vocês entenderam a proposta, né?
Esse não é uma animação mas também merece sua atenção pela edição impecável. Algumas imagens passam tão rápido e mesmo assim é possível compreender o que tem no frame. Existe muita semelhança entre as imagens e uma fluidez muito linda, causando uma sensação de harmonia. Mesmo contendo inúmeros cortes não fica nada caótico.
CONCLUSÃO
Teorias e mais teorias conduzem a prática. Espero que este artigo tenha ao menos despertado o interesse pelo assunto e possibilitado uma compreensão diferente das formas e do design. O feeling que sentimos ao compor uma animação, ao fazer uma ilustração e ao achar algo bonito e agradável pode ser estudado e melhor compreendido.
Esse artigo é um resumo do livro “Gestalt do Objeto – Sistema de Leitura Visual da Forma” do João Gomes Filho e mais alguns achados pela internet, de artigos linkados abaixo. A imagem de capa é do pintor Victor Vasarely.
The designer’s guide to Gestalt Theory
O que é Gestalt?
Art and Visual Perception: A Psychology of the Creative Eye