Acabei trabalhando com projetos grandes de engenharia e arquitetura por um acaso da vida, por ter escolhido cursar um técnico em eletrônica aos 16 anos e por ter um pensamento natural de: “beleza, o que vem depois?”. Passei em engenharia elétrica em uma universidade pública e tentei estágio/emprego em alguns laboratórios de eletrônica mesmo, tipo consertos de celular e até fábricas, mas não tinha espaço para uma mulher, nem uma deficiente, apesar das boas notas.
Todos os lugares em que trabalhei têm um ponto em comum: são empresas que têm políticas de diversidade e tentam aplicar essa política de forma justa. É muito fácil cumprir a cota para deficientes contratando somente faxineiros e assistentes com deficiência. Difícil é estimular e dar condições a pessoas historicamente desfavorecidas de assumir novos desafios. Meu primeiro emprego foi em uma empresa que estava assumindo esse desafio de ter um quadro mais diverso, contratando vários deficientes de uma vez e eu acabei indo nessa leva. Tive um treinamento de oito horas de um software de que nunca nem tinha ouvido falar e assumi isso na entrevista (coragem tenho, noção nem sempre).
Minha principal função era apoiar dois cadistas mais experientes, mas o que ninguém esperava era a demissão dos dois em pouquíssimo tempo e me vi sozinha tendo que administrar dezenas de projetos. Coube a mim treinar novos funcionários, estabelecer processos para otimizar as entregas com qualidade, além de delegar demandas. Quando decidi abandonar a engenharia e fazer faculdade de design, nunca teria imaginado que essa experiência faria toda a diferença quando comecei a trabalhar como designer.
Tudo que aprendi de gestão de projetos e equipes na marra, com algum sucesso, foi fundamental para manter a qualidade do trabalho, mesmo que em outra área aparentemente nada a ver. Desde métodos de aprendizagem, ensino, padronização de processos e avaliação dos trabalhos dos outros, do que vale a pena modificar ou não, considerando tanto o nível de aprendizado, experiência e até mesmo a personalidade da pessoa. A essa altura, eu já tinha entendido que existem pessoas que pegam as coisas rápido e pessoas que sentem dificuldades em determinados pontos (checklists ajudam muito nesses casos).
Mesmo nunca tendo trabalhado oficialmente em qualquer posição de liderança, aparentemente tenho boa didática e visão para detalhes, então pego muitos pequenos erros e deslizes. Bons profissionais costumam me procurar para avaliar os trabalhos e tirar dúvidas, pois sabem que vão sair mais satisfeitos. Uma vez, quando trabalhei como designer, o chefe me mostrou o trabalho dele todo orgulhoso, perfeito. Apontei uma discrepância muito pequena e ele corrigiu aquilo. Eu achei muito engraçado, porque era um negócio minúsculo mesmo, que leigos nunca perceberiam.
A minha experiência de quase 10 anos como cadista foi fundamental para ser a profissional que sou hoje. Mudar de área é difícil, mas sempre dá para aproveitar algum conhecimento.