Um pouco sobre viver na Inglaterra

Muita gente me pergunta como é morar fora do Brasil e tem aquela falsa ideia de que o mundo todo nos vê, como brasileiros, como os mais criativos, rápidos e dedicados do mundo. Todo mundo já ouviu falar de generalistas brasileiros que fizeram entregas incríveis em tempo recorde e é comum escutar de estudantes brasileiros que o mercado de fora vive “nos procurando”, quando a realidade não é bem essa.

No mercado internacional, existe uma divisão bem clara de tarefas, onde bem raramente se contrata um generalista e, mais raramente ainda, se contrata um estrangeiro só por ser de nacionalidade x ou y.

A maioria dos mercados protege os seus cidadãos, com leis que tem em vista mantê-los empregados ou colocá-los a frente de um candidato estrangeiro – principalmente o que ainda não tem toda a documentação legal para trabalhar no país. É caro para uma empresa na Inglaterra, por exemplo, principalmente agora – depois do BREXIT, contratar um profissional estrangeiro e, geralmente, o custo do visto de trabalho não compensa, a menos que seja um profissional extremamente especializado e que não tenha comparativo britânico (ou Europeu, até o final desse ano ou até os próximos 5 anos, se esse europeu tiver status de permanência legal).

Se eu puder dar uma dica para quem quer mudar de país: procure se especializar, conquistar clientes e entender o mercado do local antes de se mudar (o contrário pode ser muito mais difícil, frustrante e, em alguns casos, quase impossível de conseguir).

Para quem pergunta, sim, o generalista existe no mundo todo, mas, pelas razões que já descrevi acima, é muito complicado esperar chegar em outro lugar, com outra cultura de mercado e conseguir essa posição (óbvio que existem – raras – exceções, mas não é seguro se guiar por elas).

Numa palestra em 2018, Pedro Conti contou que a sua experiência nos Estados Unidos também foi muito parecida com isso: você é contratado para fazer uma função e não deve (nem pode) fazer mais do que isso. O que é visto no Brasil como versatilidade, por outros lugares é visto como intrusão e falta de respeito pelo trabalho do outro. E não adianta reclamar: quem paga a banda, escolhe a música.

Poucos são os países em que colegas de trabalho são mais do que isso e, vou te contar, isso pesa bastante no dia a dia. A gente acostuma, assim como acostuma com muita coisa que não gosta no nosso país, mas não é um mar de rosas.

Meu intuito com esse texto não é te desencorajar a vir, se esse é o seu sonho, mas pesar a realidade de morar fora, porque em muitos momentos você vai sentir falta de casa e em muitos outros não vai ter emprego fixo pra você. No fim das contas acaba valendo a pena, pra mim, por alguns motivos: crescimento profissional, oportunidades de estudo e carreira e segurança (mesmo que aqui eu tenha passado por situações que nunca nem imaginei passar no Brasil nesse quesito – fica pra uma próxima conversa).

Eu nunca me senti em casa no Brasil e sempre sonhei em trabalhar e morar fora, como muitos, mas admito que hoje sinto falta da comida, das amizades, da família, e até de coisas bestas que a gente não dá tanto valor (e que nessa pandemia todo mundo deve estar sentindo falta). Na maior parte do tempo tem mais dias ruins do que bons nessa fase de adaptação e não é vergonha nenhuma voltar para o Brasil se não conseguir se adaptar – o nosso país tem começado a valorizar a gente um pouquinho mais e com o trabalho remoto dá pra conseguir trampos de empresas legais de qualquer lugar do mundo.

Acredito que se você chegou até aqui deve estar me achando a chata, reclamona de plantão, que não se contenta com nada, e tudo bem (às vezes eu sou mesmo!), mas entenda: a gente ouve muito mais coisas boas sobre quem está fora por essa vergonha que a gente sente de ter se esforçado tanto e de estar vivendo o sonho de tanta gente e não ser tão “vida de sonho” o tempo todo.

Meu desejo é que, se seu sonho é essa mudança de país, você consiga mudar e consiga grandes coisas com isso, mas não venha na pressa e desesperado. Aquela velha história de que você tem que vir novo pra conseguir criar carreira fora é um belíssimo mito em muitos países: o que importa é que você venha preparado, sabendo a língua (ao menos os termos da sua área e o intermediário de comunicação – não é o básico só, se poupem dos perrengues com a língua) e com alguma perspectiva de futuro, sabendo que nem tudo serão flores, mas que os pedacinhos que são valem, ao menos, o aprendizado.

Outro dia volto pra contar pra vocês histórias mais específicas sobre essa mudança, hoje só deixo esse breve relato e uma boa sorte. E, ah! Como diz o Dhyan: aprendam inglês – e eu acrescento: aprendam outras línguas!

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