Nota do Layer Lemonade: O Layer Lemonade convidou Felippe Silveira, da MOWE Studio, para relatar sua experiência na edição 2017 do festival OFFF.Com viajem marcada para Barcelona, Felippe aceitou de bom grado compartilhar os três dias de evento, mostrando os prós e contras de fazer essa viajem. Essa é o terceiro artigo de três.
Chegamos ao último dia da cobertura do OFFF 2017. O este terceiro dia foi menos intenso em termos de trabalhos de motion, porém cheio de grandes e icônicos designers. Ver grandes nomes do design na tua frente é algo inspirador. Junto disso tivemos artistas bem variados e a apresentação do Main Title que é o crédito principal e que encerra sempre o evento.
Ivan Cash
O primeiro do dia foi este diretor e artista chamado Ivan Cash. Seu trabalho é bem curioso pois não existe um formato específico. O grande foco em sua apresentação foi sobre conexões humanas. Seus trabalhos representam parte de seu esforço para que as pessoas possam se conectar cada vez mais, seja com pessoas que ela já conheçam, ou até mesmo com totais desconhecidos.
Em uma de suas falas ele lança a seguinte questão: “E se nós parássemos de pensar nas pessoas como consumidores?” Ele questiona o fato de empresas e designers olharem pra pessoas apenas como aqueles que possuem dinheiro para se gastar com eles, e traz a questão de vê-las como outro ser humano possível de se estabelecer relações e conexões mais profundas.
Um de seus mais conhecidos trabalhos é o Snail Mail My Email. Um projeto de arte comunitário que transforma emails em cartas feitas à mão, e sem nenhum custo. Este projeto começou somente com Ivan Cash e alguns conhecidos e buscava tirar a frieza de emails para torná-los algo mais fácil de se criar conexões. Em pouco tempo o projeto foi tomando uma proporção maior que se tornou impossível para que ele continuasse do jeito que estava. Dessa maneira, o Snail Mail My Email abriu as portas para voluntários de todo o mundo dispostos a participar desse projeto criando estas cartas feitas à mão. Desde 2011, mais de 2.000 voluntários produziram praticamente 30.000 cartas para mais de 80 países.
Ivan Cash pontua algumas questões que servem como diretrizes de seu trabalho:
Simples > Complexo
Não há necessidade de se ter o projeto e trabalho mais elaborado. O simples é capaz de ser muito mais efetivo e permite que você consiga produzir mais com um menor esforço.
Real > Propósito
Muito mais valioso é criar algo real do que ficar apenas na intenção de construir algo. Ação é o que move as pessoas.
Experimental > Controlado
Às vezes nos acomodamos a fazer aquilo que temos controle e nos fechamos à novas experiências. Para Ivan Cash, o experimental é muito mais poderoso. O mistério de não se saber como vai ser o resultado é o que intriga ele.
Uma das principais mensagens nesta palestra também foi a de sair da sua zona de conforto. Assim como escolher por algo experimental ao invés do controlado, sair de sua zona de conforto permite criar coisas nunca antes imaginadas. Ivan fala sobre correr riscos e até quebrar regras para que seu trabalho chegue até o mundo.
Uma prova disso é seu projeto chamado No Tech Zone, que consistia em instalar placas ao longo de parques e áreas públicas de São Francisco, Califórnia determinando como se fosse proibido o uso de celulares, tablets e outros equipamentos eletrônicos. A maneira como essas placas foram criadas e posicionadas fizeram com que grande parte da população, e até mesmo os noticiários, ficassem intrigados de que isso era realmente real. Voltando à questão das conexões humanas, este projeto surgiu após Ivan observar em vários parques, famílias e amigos reunidos e cada um em seus celulares ao invés de apreciar a vista, o momento, e aquilo que estava ao redor deles. Tudo isso me faz pensar em como nós como Motion Designers e Animadores, podemos criar projetos que tenham um impacto na vida das pessoas e que estimule a criação de conexões entre elas.
Jamhot
Jamhot é uma agência criativa de Glasgow, Escócia que produz trabalhos nos mais diferentes formatos de mídias. Seus criadores mostraram um pouco de como tudo começou(se não me engano na casa da mãe de um deles) até como a agência funciona hoje em dia.
Eles falaram sobre seus trabalhos como profissionais e a importância de se posicionar como um profissional perante à seus clientes. Jamhot apresentou uma frase que resume bastante isso: ”Eu já fiz tantas revisões que eu sinto como se eu fosse o designer e você é apenas o cara movendo o mouse.” Imagino quantos de vocês não conseguem se relacionar com isso. No final, o cliente aí tem a razão. Clientes não contratam designer para que eles apenas usem o mouse e saia clicando no software. O designer é aquele que tem que tomar as decisões e apresentar as melhores soluções. Muitos designers “reclamam” sobre um cliente “estragar” o trabalho deles, mas na verdade é o próprio designer que é responsável por isso. O cliente tem seu papel com relação à seus objetivos e ao conteúdo, e o designer tem sua expertise e conhecimento para pensar, e executar o projeto de modo que vá trazer o melhor resultado à seus clientes.
Além disso eles comentaram também sobre suas relações como profissionais e a importância de pagar as pessoas no tempo certo. Isso é algo no qual me relaciono bastante e que é muito presente na MOWE Studio. Nós já trabalhamos anteriormente em outras empresas, trabalhamos como freelancers, para agências, etc, e sabemos o quanto “ruim” muitos desses lugares são para aqueles que trabalham nele. Por isso, buscamos sempre tratar aqueles que trabalham com a gente como se fossemos nós mesmos. Pagar as pessoas no tempo certo é uma das melhores coisas que se pode fazer. Tanto para que o trabalho termine dentro do prazo, quanto para que ele tenha mais qualidade. Se o profissional não ficar se preocupando se ele irá ou não receber o pagamento, ele tem mais tempo para focar no seu trabalho criativo e fornecer um melhor resultado.
Um último ponto de Jamhot é algo muito interessante que eles dizem:
“Seu sonho pode estar à apenas um email de distância.”
Eles apresentaram alguns trabalhos e oportunidades que eles tiveram e que só surgiram pelo fato deles pegarem, sentarem, e escreverem um email para tal pessoa ou empresa. Pode parecer tão óbvio mas muitas pessoas não entendem ou põem isto em prática. Um grande exemplo disso foi que ano passado, após saírem do OFFF, eles voltaram pra Escócia e mandaram um email para Héctor, criador do evento, falando o quanto eles gostam do evento e o quanto gostariam de poder estar se apresentando nele. O resultado? Bem, acho que se estou escrevendo sobre eles agora, não há mais o que comentar, né? 😉
Anthony Burril
Anthony Burril é um artista bastante conhecido por seus posteres e pela maneira como ele trabalha com tipografia. Ele apresentou um behind the scenes de alguns de seus posteres, principalmente como ele usa ferramentas clássicas de tipografia para compôr-los em letterpress. Anthony falou sobre como o design e a arte são capazes de conectar as pessoas.
Um de seus trabalhos mais famosos é o poster “Work Hard and Be Nice to People” que foi criado em 2004, inicialmente como um presente para amigos e como um forma de autopromoção à ser enviado à clientes em potencial. Este é um de seus trabalhos mais “copiados” ao longo da internet, com inúmeras versões e estilos. Porém, o original foi impresso usando um letterpress tradicional e inspirado em uma conversa que ele ouviu no supermercado aonde uma senhora compartilhava o segredo de uma vida feliz com um garota do caixa. Ele se relacionou bastante com o que ouviu e isso o motivou a criar o poster.
Anthony Burril criou diversas versões deste pôster em inúmeras línguas. Uma delas foi a versão em português que ele fez dentro da Gráfica Fidalga em São Paulo. Ele conta da experiência de chegar no Brasil, entrar numa Kombi e ir até essa gráfica onde eles produziram o poster usando letterpress. O mais curioso é que ninguém ali falava a língua do outro. Eles se comunicavam simplesmente através de gestos e do design que eles estavam criando. Com isso, ele fala de como o nosso trabalho é capaz de fazer com que a gente se conecte, sem que uma palavra precise ser pronunciada.
Valée Duhamel
Valée Duhamel é um studio do Canadá fundado por Julien Vallée e Eve Duhamel e que possui um trabalho que mistura bastante Stop Motion e Live Action. Uma de suas classificações é a de ”Good Quality, Lo-fi”. Eles utilizam de elementos simples para criar projetos de uma qualidade absurda.
Algo que me impressiona bastante é o uso de cores que eles fazem. São sempre cores bem vivas e com um impacto bem forte. Além disso, seus trabalhos muitas das vezes chegam a gerar confusão no que ali é real ou não. Muita das vezes é possível acreditar que algo é 3D, quando na verdade foi tudo criado e filmado especialmente para este projeto. Isso faz com que o trabalho deles tenha uma característica única.
O motivo deles estarem este ano no OFFF é o fato de terem sido convidados para criar os Main Titles, o título principal da conferência. Que nem nos Opening Titles, todo ano um artista ou studio é convidado para que criar este vídeo específico. O Main Title é um dos pontos altos do OFFF e que muitos aguardam à todo ano.
O title que eles criaram brincam com a imaginação, com o que é ou não real, e principalmente em como que tudo ali vai se formando ao longo do tempo, sem que os elementos colidem um com o outro. Tudo isso ao mesmo tempo que apresenta o nome de todos que estiveram presentes ao longo desses três dias. É uma maneira incrível de encerrar esses três dias mágicos de inspiração para todos que estiveram por lá.
Em um momento do vídeo temos vários aviões de papel voando pelo cenário. Como de costume, todos os anos os criadores do Main Title acabam criando algo para interagir com o público, seja entregando algo relacionado ou movimentando todos a fazerem alguma coisa. Este ano todos que estavam assistindo receberam um folha de papel e foram incubidos a criarem aviões de papel e jogá-los todos ao mesmo tempo. Foram mais de 2000 aviões voando ao longo do palco do OFFF criando este momento único de relacionamento com o vídeo.
Lance Wyman
Por mais que o Main Title seja o que “encerra” o OFFF todos os anos, o último palestrante é sempre alguém especial. Este ano tivemos ninguém mais ninguém menos que Lance Wyman, com mais de 50 anos de experiência com design, tendo criado marcas e projetos únicos que perduram por anos.
Um de seus principais projeto foi o branding das Olimpíadas do México em 68. Você provavelmente já viu este projeto por aí, em cursos da faculdade ou simplesmente vagando pela internet. Este foi um projeto icônico e de grande impacto para a Cidade do México. Além de seus projetos de branding, ele ficou conhecido sobre seus trabalhos de ícones urbanos, como sinalizações, mapas, etc.
Um grande exemplo deste trabalho foram os ícones criados para o metrôdurante as olimpíadas de 68. O grande pensamento por trás destes ícones era criar um sistema em que pessoas do mundo inteiro pudessem entender o que aquilo estava sinalizando, sem que precisasse ter um texto escrito em inúmeras línguas. O sucesso deste trabalho foi tão grande que até hoje em dia (praticamente 50 anos depois) o sistema de sinalização que ele criou ainda está em uso. Ele não apenas permaneceu ao longo do tempo mas também evoluiu e cresceu junto à cidade, conforme novas linhas eram criadas. Esse trabalho se estendeu para inúmeros outros projetos, desde o mapa do metrô de Washignton, até a sinalização do Zoológico de Minnesota.
Ele mencionou algo sobre ensinar design e o processo criativo. Ele disse:
“Você pode criar um ambiente para apresentar como conceitualizar algo, porém não pode ensiná-los como fazer isso”.
Isto tem muito a ver com o trabalho de todos designers e a principal pergunta que é: “Da onde eu consigo inspiração?”, ou “Como posso ter ideias brilhantes como essa?”. De fato, isso não é algo possível de se ensinar. Podemos criar processos e maneiras de facilitar a criação de ideias, mas são as experiências de cada um que fazem com que boas ideias sejam desenvolvidas.
Conclusão
Este último dia foi muito mais reflexivo do que qualquer outro. Menos daquele impacto de projetos absurdos cheio de efeitos, e mais focado no simples, naquilo que tem significado, e nas conexões humanas que o mundo está cada vez mais perdendo.
Com este último post, a gente conclui o que foi essa troca de experiências e conteúdo que absorvi dentro do OFFF. Quero com isso motivar à todos à investirem em conferências como essas, seja fora do Brasil ou até aqui mesmo. O ganho que temos em termos de conhecimento, ideias e reflexões, traz um retorno muito maior do que o preço pago para ir à esses lugares.
O fato de termos um evento tão mixto como este, faz com que a gente entre em contato com diferentes formas de arte e design. Em uma das falas de Lance Wyman, ele diz:
“Toda experiência é incrivelmente viável para sua carreira”
É preciso sair da nossa zona de conforto. Sair da “bolha” do Motion e começar a absorver conteúdos de outras áreas. Usar toda forma de experiência como inspiração, e principalmente conectarmos cada vez mais com outras pessoas.
Como uma nota final, trago três pontos que devemos levar conosco após esses três dias de experiência do OFFF:
- Não ligue para o que as outras pessoas pensam sobre o seu trabalho.
- Invista em projetos pessoais e colaborativos.
- Conecte-se com outras pessoas.
Obrigado à todos que acompanharam estes 3 dias de cobertura. Espero encontrar todos vocês no OFFF 2018 e em outras conferências ao redor do mundo!