A vida é longa, mas é feita de horas curtas. Dentro dessas horas nossos pensamentos e anseios se concentram e acumulam, e a maior parte deles se tornam aspirações, vontades, devaneios e sonhos.
Para verificar isso, basta olhar para o Campo Criativo e, mais especificamente, para a carreira de Motion: todos temos uma carreira que é vivida e outra que é sonhada.
“Utilize, para se exprimir, as coisas do seu ambiente, as imagens dos seus sonhos e os objetos de sua lembrança.”
Rainer Maria Rilke
Das meditações e infortúnios
Quem acompanha o Layer Lemonade, sabe que insisto – e muito -, no fato de refletirmos sobre nosso campo de trabalho e a arte que produzimos. Essa insistência tem o propósito de jogar luz sobre aspectos menos técnicos, de modo a enxergarmos a realidade das coisas como são, pois atuar em áreas que exigem sensibilidade artística é algo complicado e, por vezes, temerário.
É crucial que meditemos sobre todo e qualquer aspecto da vida; e se elegemos passar a maior parte do tempo sentados criando peças de Motion Design, então não podemos negligenciar essa realidade que se oculta para além de telas coloridas e keyframes macios.
Digo isso, pois grande parte das pessoas que conheci no início de carreira encaram a área de Motion como um mundo lendário, povoado por criaturas mágicas, de talento inigualável e envergadura onírica. Contudo, não é bem assim; somos imperfeitos, passíveis de erros e repletos de falhas banais. Além disso, é bom que se saiba que o jardim onde caminhamos possui espinhos de todos os portes e cortes, e encarar essa verdade menos poética não diminui nossa profissão, mas evita futuros infortúnios.
Para que fique mais claro: é quase unânime que o que fazemos, quando fazemos e como fazemos não condiz com o esperado. E é natural que seja assim, já que somos criaturas que aspiram grandes horizontes. Tais apontamentos não tem por intuito desanimar profissionais aspirantes, tampouco veteranos que, por ventura, sentem-se traídos pela profissão que escolheram. É um fato verificável e, quanto antes constatado, melhor.
O enigma do dia, da noite e do tormento das horas curtas
Por muito tempo refleti sobre o seguinte enigma: como alocar tudo que preciso fazer em 8 horas consecutivas? Parece trivial, mas em uma área em que podemos somar todas as 24 horas de um dia e, ainda assim, não haverá tempo suficiente para resolver tudo, pode-se dizer que é uma reflexão no mínimo sensata.
A resposta, no entanto, não pode ser o velho “trabalhe como se não houvesse amanhã”, pois isso é desumano, destrutivo e pouco prático. E por falar em “prático”, é aí que a resposta está contida: sejamos práticos.
Vejam só: o dia a dia de profissionais do Motion pode ser extenuante. Apesar de amarmos o que fazemos e de colocar – sempre que necessário -, toda energia em prol disso, muitas vezes encaramos um projeto com olhos vazios, desanimados e cansados. Os dias são curtos, as noites imensas, as horas escorrem entre timelines. Nossos pensamentos giram num turbilhão de ideias ignoradas, de soluções discutíveis e logo o tédio assume a já fraca concentração que possuímos.
Contudo, se formos práticos com as coisas podemos vencer com certa elegância o tormento das horas curtas, pois o prático não é apenas um pragmático contumaz; é, antes de mais nada, aquele que busca sensatez e equilíbrio em tudo, opondo-se ao desatino muitas vezes praticado em nossa área.
Fundindo o sonho e a realidade
É normal desejar o melhor para si em todos os aspectos, mas a realidade pode ser menos estimulante do que parece, e se caminharmos com a perspectiva errada, acabamos frustrados. Isso gera insatisfação, que por sua vez gera paralisia criativa, que leva a uma série de outros fatores perigosos.
É indispensável que tenhamos planos, projetos e sonhos. Eles são a nossa força de ignição e também nosso firmamento futuro. Mas esses planos, projetos e sonhos não podem ser esculpidos com materiais que não existem, apenas na imaginação passageira de algo transitório; seu alicerce precisa estar na realidade, profundamente enraizado em verdades e sobre um chão firme e coeso.
“Não há nada como o sonho para criar o futuro. Utopia hoje, carne e osso amanhã.”
Victor Hugo
Por isso, é importante encarar que a carreira que temos já é a carreira que sonhamos. Tudo o que vier a seguir é um somatório de méritos intrínsecos a nossa capacidade. O sonho está aqui e agora, ele pavimenta nosso caminho sem que seja miragem e é palpável.
Desse modo, os sonhos fundem-se com a realidade, para que nossas carreiras não sejam imagens distorcidas como em uma aberração ótica: bonita de longe, mas que resulta em imagens indefinidas por questões de erros sistemáticos.