Machismo ou Capacitismo?

Eu sou mulher. É um fato que me foi imputado assim que nasci, com o pequeno detalhe de ser surda, o que descobriram logo depois. Desta forma, a impressão que tenho é que preciso ser sempre duas, três vezes melhor que um homem mediano em termos acadêmicos e profissionais para ser minimamente considerada capaz. E, por ser uma mulher surda, muitas vezes não consigo identificar quando sofro machismo, capacitismo ou um pouco dos dois da mesma pessoa. Vou ilustrar isso com três situações que vivi.

Ao receber uma prova cuja nota não foi muito boa no primeiro período do técnico de eletrônica, o professor disse: “não sei o que você está fazendo aqui, deveria pedir transferência para cursar turismo”, considerado um dos cursos técnicos mais fáceis. Eu fiquei muito ofendida. Ao me formar, éramos seis meninos e duas meninas (juntando os dois turnos).

Quando fui fazer aula de dança de salão, o professor estranhou que eu, uma deficiente auditiva, estivesse lá para aprender a dançar. Eu lembro bem até hoje do olhar de descrédito dele. Passaram alguns meses e as pessoas literalmente faziam fila para dançar comigo, pois não ouvir a letra da música me permite focar no ritmo e, assim, danço bem e com leveza.

Eu já era cadista havia anos quando fui perguntar para o recém-formado engenheiro qual era a alimentação correta do equipamento, pois os desenhos não batiam com a legenda. Ele cismou que estava correto, mas eu mostrei tim-tim por tim-tim porque estava errado e ainda falei: “só quero saber qual devo corrigir, só isso”. Ele continuou falando que não tinha nada errado ali. Chamei a projetista sênior e expliquei a situação, sugeri uma correção e, só neste momento, ele respaldou a mudança.

Essas situações me fazem pensar se não passo pelo mesmo com o motion. O fato de eu ser mulher, neste caso, talvez não impacte tanto, mas o fato de eu ser surda sim. Só a dificuldade de acesso ao conhecimento do motion, que é uma área na qual precisamos estar sempre estudando para nos atualizar, contribui para a descrença do mercado como um todo. E não sou a única motion surda nesse Brasilzão não, gente. Mas bora lá quebrar esses preconceitos mais uma vez, de novo e de novo, pois é assim que o mundo muda.

Ilustrações‌ ‌de‌ ‌capa‌ ‌por‌ rayanamargon.

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