O artigo a seguir foi escrito pela autora convidada Ágata Melquíades, co-fundadora do Estúdio Cartel, que opera 100% online de Portugal e da Alemanha. Por Ágata ser portuguesa, o texto foi mantido em sua forma original, sem adaptações para o Português brasileiro, trazendo uma reflexão sobre o futuro do nosso trabalho na indústria criativa.
Seria o nosso futuro remoto?
– Ester Rossoni
No início dos anos 2000, eu era uma adolescente com algum acne na cara e muita vontade de descobrir o que era a Internet.
Lembro-me bem dos barulhos que o modem fazia ao ligar à rede, e dos primeiros “bate-papos” como o MIRC e o ICQ. Na altura, só o pensamento de que podíamos falar com alguém que está noutro lugar do mundo era mágico! Os telemóveis eram básicos e nem toda a gente tinha um, os meus pais ainda usavam bastante o telefone de fios, que se tornou mais tarde uma das nossas discussões diárias, pois usar a Internet naquela altura implicava ficar sem linha de telefone…
Fast-foward e já passaram quase duas décadas. A Internet transformou as nossas vidas de uma maneira tão radical que às vezes é difícil lembrar-nos da nossa vida sem ela. Estamos nela para tudo: desde fazer compras, falar com amigos e família, procurar referências, aprender, ouvir música, ver filmes e séries e até ganhar clientes.
Quando 2015 recebemos o primeiro e-mail em inglês, ainda morávamos em São Paulo e era fascinante que alguém na Alemanha tivesse visto o portefólio do André e quisesse que ele trabalhasse remotamente para lá! E foi assim também que eu caí de paraquedas na outra parte da animação: a produção. Na altura o André não era tão fluente a inglês e eu fazia toda a parte de atendimento, sem sequer imaginar que isso era um trabalho. Com a nossa Internet de 10 megas(!) demorávamos a noite inteira a enviar um projecto…
Desde aí fiquei com a pulga atrás da orelha a fim de produzir trabalho para lugares distantes. Passado alguns anos mudámos para Lisboa e as nossas carreiras decolaram. De tal forma que quando o nosso sócio nos desafiou para abrirmos o nosso próprio estúdio nem pensamos duas vezes e mergulhamos de cabeça – o nosso estúdio chama-se CARTEL e é um estúdio totalmente remoto. Os sócios sou eu, Ágata (portuguesa), o André (brasileiro) e o Roald (sul africano, que mora na Alemanha). Todos já moramos fora, falamos várias línguas (entre nós inglês) e colaboramos com freelancers do mundo inteiro (vários deles Brasileiros). Trabalhamos remotamente para qualquer lugar do planeta, literalmente!
Como a evolução da Internet e da tecnologia, hoje em dia conseguem-se fluxos de trabalho 100% remotos. Zoom e GMeets para reuniões, Discord e Slack para comunicar em tempo real, Asana e Shotgun para gestão de projectos, bem como as várias plataformas de transferência e armazenamento de arquivos em cloud tornam esta realidade possível. Conhecemos mais de um animador morando no Brasil e trabalhando para grandes estúdios norte-americanos ou do UK. Para além do caso, esse já Português, de um director criativo que conceptualiza open titles para famosas séries americanas, do seu estúdio em Lisboa.
Se nos dissessem há 10 anos atrás que estaríamos a trabalhar a partir de casa para grandes estúdios lá fora, acho que a maior parte das pessoas não acreditaria. Mas a verdade é que para bem e para mal o Covid trouxe-nos o novo normal do home office. Do outro lado, as empresas também já se aperceberam que não precisam de trabalhar apenas com o talento ao local, que podem expandir a pesquisa agora pelo mundo inteiro. Por isso, o momento certo para encontrar novos clientes internacionais é agora.
Ficam aqui as 3 dicas para ter sucesso no trabalho remoto com empresas internacionais:
- Portfólio: um bom portfólio é o melhor começo – se está desactualizado, refazer. Se pode estar melhor, refazer. Para além disso, ter os pés na terra, humildade e saber as nossas qualidades (e defeitos!!) ajudam a perceber que tipo de estúdios podemos prospectar.
- Reaching out/prospeção: dificilmente um animador será escolhido por uma empresa, por isso, enviar o portfólio para estúdios faz parte do trabalho de um animador freelancer. Entender porque se escolhe um estúdio invés de outro e comunicar isso, bem como personalizar ao máximo o email enviado (nunca enviar em massa para todos os estúdios um email genérico!) ajudam a começar a conversa com o outro lado.
- Boa comunicação: ser claro, avisar com antecedência que precisa de mais prazo/ajuda e evitar erros no inglês (usem o Grammaly ou outras ferramentas de correção de ortografia!) ajudam os produtores do outro lado a manter o fluxo de trabalho organizado e sem atrasos.
Então de que estão à espera? Boa sorte!