Esse não é um artigo que vai debater aspectos técnicos sobre a criação de arte utilizando inteligência artificial. A ideia de escrever esse texto surgiu de uma conversa com o grande Destropier, que inclusive publicou um artigo muito massa na semana passada com vários questionamentos filosóficos sobre a IA no campo criativo. Vou continuar a discussão, mas focando em como arte, criatividade e inteligência artificial se relacionam.
Será que a IA vai substituir os artistas? Ou será que ela vai nos ajudar a escapar da criatividade estagnada na rotina? As máquinas poderiam nos ajudar a viver menos como máquinas?
A arte veio antes da ciência
Desde que o Homo sapiens surgiu nós temos comportamentos que chamamos de arte. Toda cultura que existe e já existiu tem um ou mais tipos de formas de arte (mesmo sem ter uma palavra para defini-la). Arqueólogos encontraram peças de argila com decorações de 90 mil anos atrás; pinturas rupestres nas cavernas de Chauvet de 30 mil anos atrás e instrumentos musicais com mais de 35 mil anos. No livro de Ellen Winner – How art Works, ela define a arte como a forma mais fundamental de conhecimento e a única que todos os humanos têm em comum, sendo o conhecimento científico apenas uma forma mais elaborada desse conhecimento artístico.
Arte e criatividade
O ser humano sempre teve esse impulso criativo que nos diferencia dos outros animais. A criatividade muitas vezes é o que nos move, que traz inovação, que nos conecta com a emoção. A pesquisadora Margaret Boden vai ainda mais fundo, tentando correlacionar inteligência artificial, psicologia e filosofia. Ela divide a criatividade em três tipos:
Criatividade exploratória, onde se utiliza o que já existe e explora-se os limites externos, estendendo as fronteiras do que é possível, mas ainda preso às regras. A música de Bach é o ápice de uma jornada de compositores barrocos, explorando diferentes tonalidades e forçando os limites sem romper com o gênero e entrar na era Clássica.
A segunda forma é a criatividade por combinação, onde o artista pega dois constructos e os une. Visualize como uma união de mundos, onde as regras de um mundo sugerem novas estruturas para o outro. Zaha Hadid combinou o seu conhecimento de arquitetura com sua paixão pelas formas puras do pintor russo Kasimir Malevich e criou um estilo único de prédios curvos.
A terceira é a criatividade transformacional. Toda arte tem esses momentos, como mudanças de estado onde a água passa do estado líquido para o gasoso. São mudanças nas regras do jogo que todas as gerações anteriores utilizavam, como a música só poder ser escrita dentro da escala harmônica ou que rostos sempre possuem olhos de cada lado do nariz (Picasso demonstrou que não é o caso).
Existe a possibilidade da IA ser criativa dessas formas? Tanto a criatividade exploratória como a por combinação se assemelham a forma como uma máquina funciona e aprende. Vários programas que utilizam aprendizado de máquina, como o MidJourney utilizam as combinações para produzir peças com estilos de diferentes artistas e exploram toda a internet buscando variações.
Contudo, seria a máquina capaz de transformar, de quebrar as regras e trazer novos conceitos? Você pode pensar que não, que apenas os humanos, inseridos em suas emoções e aspectos culturais podem gerar grandes mudanças artísticas. Picasso disse: o maior inimigo da criatividade é o bom senso. As máquinas não funcionam justamente baseadas em regras e bom senso? Ainda assim, você pode programar uma máquina para agir de forma irracional e mudar o curso, algo que funciona muito no aprendizado de máquina. Entretanto, ela está bem longe de dominar esse tipo de criatividade.
Eu gosto de enxergar as coisas de forma mais positiva. Ao invés de esperar com medo a IA substituir os artistas eu tento enxergar que mudanças de paradigma vão ocorrer. Como o ser humano vai se adaptar e qual será o impacto nas criações artísticas. Mais do que nunca eu vejo que é um momento de inovar, de fazer trabalhos diferentes do padrão, de inserir o aspecto humano e pessoal nas nossas práticas. Eu acredito que a IA vai ajudar e muito como uma extensão da nossa capacidade de pensar e ampliar nossa energia criativa.
O que você acha?