Grande parte dos entusiastas do trabalho do Studio Ghibli costuma amar não só os personagens cativantes, mas também os cenários bem trabalhados, como os de Kazuo Oga. Mesmo talvez não reconhecendo o nome, você certamente lembra dos cenários de Cemitério dos Vagalumes e Meu Vizinho Totoro (ambos trabalhos de Oga).
Recentemente a newsletter Animation Obsessive (se eu pudesse recomendar todos os dias eu faria) publicou uma entrevista feita com Oga nos anos 90, quando ele estava envolvido na produção de Meu Vizinho Totoro. Abaixo está a tradução livre de alguns trechos interessantes da entrevista.
“Se há algo que você quer fazer, você deve fazer”
— E com isso, o próximo é Totoro. Como você se envolveu com este projeto?
Oga: No começo, Miyazaki-san me contatou diretamente. Entretanto, meu pensamento na época foi: “Eu realmente não posso aceitar.” Eu tinha acabado de pegar meu próximo projeto e estava planejando trabalhar na Madhouse por um tempo. Contudo, eu já vinha pensando, mesmo antes disso: “Eu gostaria de tentar fazer um drama ambientado na natureza.” Esse sentimento estava ficando muito forte em mim naquela época. Especialmente porque meu último trabalho foi Wicked City, então eu queria tentar um onde eu pudesse pintar coisas naturais desta vez. Sendo assim, era o momento perfeito, sabe?
Então, Miyazaki-san disse que me mostraria os storyboards. Apesar de pensar que provavelmente não conseguiria participar, perguntei a ele por telefone: “Seria possível eu apenas dar uma olhada?” Decidimos nos encontrar naquele mesmo dia em um café em frente à estação de Asagaya.
Quando ele me mostrou e eu ouvi o que ele tinha a dizer, mudei de ideia imediatamente e decidi que queria fazer. Contudo, eu não poderia aceitar imediatamente sem consultar o Maruyama-san da Madhouse. Pedi a ele para esperar uma semana. Eu realmente não precisava de tanto tempo, mas foi assim que decidi responder.
Ainda assim, Maruyama-san gentilmente me disse: “Se há algo que você quer fazer, você deve fazer.” Eu sempre senti que a Madhouse e Maruyama-san haviam me apoiado depois que saí da Kobayashi Pro, então lamentei não poder fazer o trabalho planejado para mim. Contudo, escolhi fazer o que eu queria fazer e me permiti fazê-lo.
Imagem dos Storyboards
“As coisas eram boas quando estávamos fazendo Totoro, né?”
— Suponho que cada estúdio tenha sua própria atmosfera. Foi difícil estar em um lugar novo pela primeira vez?
Oga: Eu não tinha certeza dos padrões que seriam exigidos para o meu trabalho. Quanto eu deveria fazer? Na verdade, está tudo bem não saber o quanto fazer, e você deve simplesmente trabalhar o melhor que puder. Mas você precisa de um pouco de alívio em algum lugar, certo? A única fonte de alívio aqui era que Grave of the Fireflies aparentemente estava atrasado.
Mesmo assim, as coisas ainda eram tranquilas quando Totoro começou. Admito que às vezes era um pouco barulhento. Mas Miyazaki-san gostava de trabalhar em Totoro, apesar de tudo. Ele ainda faz isso hoje, mas andava por aí comentando até sobre plantas enquanto desenhava os storyboards, dizendo coisas como: “É assim que elas pareciam naquela época.” Ou ele trazia livros sobre plantas, ou livros ilustrados, e mostrava aos animadores e artistas de fundo.
Além disso, falávamos muito sobre coisas que não estavam diretamente relacionadas ao filme. Naquela época, o Ghibli estava no meio de Kichijoji. Bem do lado de fora da janela que dava para a sala de arte, havia uma madeireira. Havia uma única árvore de cânfora ali, uma canforeira bem antiga que já começava a se desintegrar. Ela ficava se debruçando bem diante da minha mesa. Parecia que aquele lugar, no meio de Kichijoji, tinha sido completamente esquecido e mantido sua antiguidade. Esse assunto surgia com frequência enquanto olhávamos pela janela.
Nesse sentido, o trabalho pode ter sido difícil, mas aproveitávamos à nossa maneira. Até hoje, Miyazaki-san e Futaki-san ainda dizem: “As coisas eram boas quando estávamos fazendo Totoro, né?” Essa é uma frase recorrente recentemente.
Imagem
“Este é o seu padrão, Oga-san?
— Houve alguma parte de Meu Amigo Totoro em que a metodologia que você usava até então já não se encaixava?
Oga: Eu já havia feito alguns projetos teatrais na Madhouse, mas passei um longo período focado em séries de TV, então, com certeza, meu trabalho estava pouco refinado. Além disso, eu não fazia tanta pesquisa e talvez fosse um pouco ingênuo. Além disso, eu realmente não sabia quais eram as exigências de Miyazaki-san em relação à arte de fundo. Então, em parte porque não fui muito instruído, comecei a pintar paineis ao lado de Miyazaki-san com minha atitude habitual no início. No entanto, quando começamos a produção de fato e eu reuni todos os cenários achando que estavam bons, Miyazaki-san olhou para eles com uma expressão severa e disse: “Este é o seu padrão, Oga-san?”
No momento em que ouvi esse comentário, fiquei chocado, e minha expressão mudou de surpresa. Como aquilo não estava bom, a partir daquele ponto comecei a pintar pela primeira vez com o sentimento de que “preciso estar totalmente determinado para fazer isso”. Seja pela luz ou pelas cores suaves, aos poucos fui entendendo que não conseguiria alcançar as imagens que Miyazaki-san estava buscando se não fizesse as coisas com mais cuidado.
Até então, eu pintava árvores de forma bastante simbólica, e mesmo com interiores, havia partes que eu considerava aceitáveis quando estavam simplesmente escuras ou claras. Mas comecei a perceber que precisava incorporar cuidadosamente muitas outras árvores e plantas às quais normalmente não prestamos atenção e, mesmo em ambientes internos, as cores das paredes e pilares… a cor de um pilar também muda de acordo com a maneira como a luz o atinge. Passei a sentir essas coisas.
Curtiu esses trechos da entrevista? Então vale muito a pena assinar a newsletter Animation Obsessive que traz esses bastidores detalhados. Caso queiram a tradução da entrevista completa é só me avisar nos comentários que eu posto aqui na próxima semana.
Além disso, teve esse post sobre as animações caleidoscópicas de Daniel Savage que vale muito conferir.
Boa semana!
Daniel desligando.