Caso você não viva dentro de um bunker sem internet, você provavelmente já esbarrou em algum vídeo ou post falando sobre a bolha das IAs e como ela está prestes a estourar. Eu quero escrever sobre isso faz algumas semanas, mas estava com dificuldade sobre como relacionar com o mundo do motion e ilustração. Então me deparei com esse artigo de um dos fundadores do True Grit Texture Supply, uma empresa especializada em produzir pincéis, texturas e efeitos para a indústria criativa. O artigo deles fala tudo que eu queria de uma forma muito mais interessante, então aqui vai uma tradução livre pra vocês.
Um Caso sobre o Otimismo na Era da IA
Se você nos acompanha há tempo suficiente, já sabe que somos bastante firmes em nossa postura anti-IA.
Há muitas coisas na IA generativa que simplesmente não nos parecem certas. Se o roubo automatizado e em massa de direitos autorais por si só não te enfurece como artista então talvez a desvalorização da criatividade, os impactos ambientais devastadores e a transferência sistemática de riqueza de artistas trabalhadores para um punhado de bilionários da tecnologia sejam o suficiente para quebrar o seu espírito.

Se você é uma pessoa criativa que passa algum tempo online, provavelmente sente que está sendo constantemente bombardeado pela propaganda da indústria de IA. Todo dia surge um novo alerta apocalíptico e uma nova ferramenta “criativa” feita explicitamente para tornar artistas humanos desnecessários. Parece que, se os oligarcas da IA tiverem o que querem, você vai consumir o que te derem — e ainda vai gostar disso.
Mas uma nova narrativa está começando a se formar. Então, como artistas, temos bons motivos para otimismo — se conseguirmos enxergar além do barulho e do medo.
A bolha
Assim como aconteceu com o hype em torno das TVs 3D, dos NFTs e do Metaverso, a IA é uma solução em busca de um problema, com trilhões investidos em uma tecnologia que ainda não gera lucro. Economistas vêm soando o alarme. Eles alertam que o setor de tecnologia está passando por uma bolha de investimentos sem precedentes, que deve estourar mais cedo ou mais tarde.
Mesmo os CEOs da OpenAI e da Amazon, Sam Altman e Jeff Bezos, foram amplamente citados reconhecendo que a bolha da IA vai estourar — e que a implosão será espetacular.
Apesar dos riscos para a economia global, a ideia de que os investidores não conseguem enganar as leis naturais da economia acaba gerando um tipo curioso de otimismo.
Uma bolha de IA estourando provavelmente seria algo positivo para os artistas, pois derrubaria a máquina do hype. Dessa forma, só sobrariam as ferramentas realmente úteis — separando-as dos modelos de negócio inflados que ameaçam as indústrias criativas.
A IA veio para ficar, mas essa mudança poderia reduzir a enxurrada de conteúdo barato gerado por IA que compete com artistas humanos e ajudar a esclarecer questões de propriedade intelectual.
Mas a bolha não é o único problema das grandes empresas de IA.
A pesquisa: arte humana boa, porcaria de IA ruim
Pesquisas recentes da Columbia Business School mostraram que, quando obras de arte feitas por humanos são exibidas ao lado de arte feita por IA, as pessoas atribuem muito mais valor às criações humanas — em até impressionantes 163%.
Esse estudo desafia as suposições sobre o impacto da arte gerada por IA. Dessa forma, mostrando que a própria presença desse tipo de arte pode, na verdade, aumentar o valor percebido das obras humanas.

Ainda não se sabe se isso também se aplica a formas de arte comerciais, como ilustração e animação. Mesmo assim, diversos estudos chegaram a conclusões parecidas. Eles mostram que as pessoas valorizam fundamentalmente a criatividade humana. Além disso elas acreditam que a arte feita por IA exige pouco esforço e, por isso, não tem valor real.
Mas, na verdade, nem precisamos de pesquisas para confirmar isso. As pessoas reconhecem o conteúdo feito por IA (por enquanto) — e simplesmente não gostam.
A reação do público
Seja uma campanha publicitária desastrosa ou uma rede social que ninguém quer usar, quase toda tentativa pública de adotar IA generativa tem algo em comum: zombaria e desprezo implacáveis por parte do público.
Não é preciso procurar muito no Instagram para encontrar marcas, bandas e editoras que se aventuraram com IA sendo arrasadas nos comentários por um público de pouca paciência e boa memória.
Curiosamente, parece que, enquanto as marcas viram alvo de críticas, os “prompters” — as pessoas que criam imagens ou vídeos com IA para essas marcas — acabam passando quase ilesos, construindo discretamente uma base de fãs para sua “arte”, às vezes com uma atitude provocadora e debochada. Isso sugere que o público tende a punir muito mais o lucro de uma empresa sem rosto do que o trabalho de um ser humano tentando pagar o aluguel.
Mesmo assim, a rejeição ao que as empresas de IA estão vendendo não acontece apenas online. A startup Friend.ai descobriu isso da pior forma ao lançar uma campanha publicitária milionária no metrô de Nova York. Em poucas horas, picharam e destruíram os anúncios. Seja ou não um golpe de marketing baseado em polêmica, o simples fato de as próprias empresas de IA saberem que o público as detesta revela que muitas delas são exatamente o tipo de negócio oportunista que parecem ser.
Conforme a IA evolui, o mesmo acontece com o vocabulário ao redor dela. Termos como “slop” — usado como gíria para o conteúdo genérico e indesejado gerado por IA — já competem para ser a palavra do ano em 2025. Até mesmo a Geração Z, nativa digital, vem demonstrando resistência, popularizando o termo “clankers” (originalmente um insulto de Star Wars usado contra droides) para zombar de empresas de IA e de seus superfãs.
Com o público em geral — e artistas vocais — deixando clara sua aversão à IA generativa, o risco para empresas curiosas com o tema é real. Nada é mais inútil para um profissional de marketing do que produzir conteúdo que o público considera indigno de sua atenção, o ativo mais valioso de todos.
A reação do mercado
Apesar de trilhões em investimentos despejados na IA, há pouca evidência de que a tecnologia esteja melhorando o resultado financeiro de alguém além dos grandes players cujos valores de mercado dispararam com base apenas no hype.
Um estudo recente do MIT revelou que 95% das empresas que tentaram integrar IA em seus negócios não conseguem encontrar uma forma de lucrar com isso.
Marcas e estúdios criativos começam a se desiludir com a IA, citando riscos à reputação e uma corrida rumo à mesmice. A empresa sueca de fintech Klarna, que havia substituído funcionários por IA, está agora recontratando-os discretamente, e 55% das empresas britânicas que fizeram o mesmo dizem se arrepender da decisão.
Essa incapacidade de encontrar um uso realmente viável para a IA é insustentável. Além disso, pode ser um bom sinal para trabalhadores e artistas, à medida que a realidade começa a se impor.
Mas, se você ainda precisa de mais provas de que a IA generativa é mais barulho do que substância, basta olhar para as próprias gigantes do setor.
Na corrida para popularizar o ChatGPT, a OpenAI gastou uma fortuna em uma campanha publicitária. Contudo, foi filmada em 35 mm, com equipe completa e atores humanos reais.
A participação do chatbot se limitou a tarefas administrativas e listas de tomadas — nada exatamente revolucionário.
Se esses supostos titãs da indústria não confiam de verdade em seu próprio produto, por que profissionais de marketing e gestores de marca deveriam confiar?
Os desafios legais
Por fim, os desafios legais estão crescendo, e o cenário começa a se inclinar a favor dos direitos dos artistas. Processos judiciais estão se acumulando, com autores e empresas como o The New York Times entre os que processam.
Os tribunais estão levando essas questões a sério, permitindo que os casos avancem do protocolo inicial até as fases de descoberta de provas e julgamento. A Anthropic foi recentemente forçada a aceitar um acordo de 1,5 bilhão de dólares com escritores por violação de direitos autorais. Outros processos tiveram resultados variados e específicos, com juízes indicando que os autores devem comprovar dano direto causado pelas ferramentas de IA às obras originais.
Cada novo processo nos aproxima de um momento em que obrigará as empresas de IA a negociar modelos de licenciamento. Isso permitirá que criadores optem por sair ou sejam justamente compensados pelo uso de suas obras em sistemas de treinamento.
Um futuro de IA não é inevitável
Nada disso quer dizer que não existam usos válidos para a IA. Eu mesmo uso o Claude quase todos os dias para analisar contratos, resumir pesquisas e até depurar código do site. Tento usá-lo de forma consciente, como assistente, para otimizar tarefas administrativas e poder focar nas partes realmente criativas.
Mas, com tanto investimento em jogo, a propaganda incessante da indústria de IA é feita para nos desgastar. Ela quer que aceitemos seu futuro distópico como inevitável, ignorando todas as evidências em contrário. Ao ceder à narrativa deles, permitimos que roubem a alegria da criação, enquanto aceitamos um futuro que não pedimos e do qual não tiraremos proveito.
Pode me chamar de sonhador, mas estou pronto para rejeitar o pessimismo e buscar um futuro criativo em que as máquinas de plágio valham tanto quanto o lixo que produzem. Um mundo em que a reação contra a IA se mantenha firme e a criatividade humana ainda tenha valor e poder.
E sei que não estou sozinho nesse sentimento — e isso, por si só, me dá esperança.
Curtiu o post? Imagino que depois dessa leitura extensa você queira descansar a mente com algo legal, então saca só essa animação no Blender da banda OK Go. A animação tem código aberto, então você pode mexer e brincar com ela o quanto quiser.
Boa semana!
Daniel desligando.