Rodrigo Soldado é diretor e um dos sócios do Copa Studio, um estúdio carioca de animação, responsável por várias ótimas séries, tais como Tromba Trem, Historietas Assombradas e Irmão do Jorel. Soldado também dirigiu, em 2014, o curta autoral ERros.
Layer Lemonade — Onde você cresceu e quando decidiu que trabalharia com animação?
Soldado — Nasci no Rio, mas passei a infância em São Paulo, depois João Pessoa; voltei pro Rio com uns 12 anos, e morei em vários lugares da cidade. Não é porque sou problemático, acho, mas meu pai é militar então mudamos muito. Aliás, filho de militar ou vira um certinho ou um porra loka (não sei em qual categoria estou). Não decidi trabalhar com animação, foi uma oportunidade que surgiu e fui seguindo; sabia que queria ser desenhista, e contar histórias, só.
LL — Você estudou em alguma escola de arte/animação ou é autodidata? Como desenvolveu suas habilidades?
S — Fiz Desenho Industrial na UFRJ, mas não curtia muito não. Design… pode ser bem chato, mas foi importante. No desenho sempre fui autodidata. Gostava muito de gibi de herói e mangás, mas acho que só evoluí com uns 21 anos, quando chegou internet lá em casa (sou velho, eu sei). Daí comecei a frequentar o Eatpoo, um fórum bem maneiro onde a galera era mais da zoeira e menos puxa-saco como no Deviantart. Ali tinham umas pessoas bem fodas, fazendo de tudo. Nessa época, eu desenhava todo dia por horas, tentando sempre forçar a barra em coisas que não sabia fazer. Não que tenha aprendido a fazer, mas foi bom. Tipo, queria muito fazer aquelas artes realistas fodonas, mas nunca consegui. Atenção pessoas! Só porque vocês se esforçam bastante, não quer dizer conseguirão alguma coisa. Mesmo assim é legal, não desistam!!
LL — Quais foram suas principais influências quando era mais novo? Quais você mais se inspira hoje? (livros, filmes, quadrinhos, artistas, etc)
S — Lia muito X-Men, era o que mais gostava, em gibi no formatinho clássico da Abril. Assistia aos filmes da Disney, mas nunca me chamaram muito à atenção; em animação, curtia Caverna do Dragão, Thundercats e basicamente tudo que passava na Xuxa. Tinha um amigo rico que começou a aparecer com uns mangás fodas, Battle Angel Alita, Blade of the Immortal… tinha uns vhs de Macross Plus, Lodoss War e outras doideras… e aquilo abriu minha mente. Hoje em dia vejo de tudo… procuro ver todo tipo de filmes (até do tipo ruim) e séries, mas ando um pouco afastado dos quadrinhos. Em termos de artistas, tem o Robert Valley – que acho muito sinistro -, além de alguns canalhas franceses que não decoro o nome. No time brasileiro tem bastante gente foda, alguns que já trabalhei junto, outros que ainda pretendo. Quem sabe monto um dream team brasileiro um dia?! Se isso acontecesse, provavelmente ficaríamos bebendo todo dia e falando tanta besteira, que acho que não produziríamos nada, rs.
LL — Qual foi seu primeiro trabalho com animação? Como foi seu caminho a partir desse trabalho até a criação do Copa Studio?
S — Foi num dos piores filmes já feitos, Xuxinha e Guto contra os monstros do espaço, na Labocine. Tenho orgulho desse filme, fiz o board dele. Fiz muitos amigos, alguns viraram sócios, outros trabalham com a gente aqui. Nele e na Turma da Mônica – Uma Aventura no Tempo, aprendi muito sobre o que não fazer (hehehe). Aí, criar o Copa foi só fazer o contrário (rs). Fiquei dois anos na Labo, saí brigado e fiquei mais dois anos freelando e fazendo um quadrinho, até o Copa surgir. Então, vendo agora, parece um tempo bem curto.
LL — Quais são as maiores dificuldades em coordenar e trabalhar em equipe num projeto de animação, no seu ponto de vista?
S — São muitas, mas se você contrata bem, tudo vai dar certo. O processo de contratação é sempre crucial, vale a pena gastar com isso. No dia a dia, é preciso manter todos trabalhando num ritmo bom. Série é tipo maratona, não adianta sair correndo que nem 100 metros rasos. Não viramos noite, nem trabalhamos em fim de semana. Tudo é planejado e executado numa jornada normal de trabalho. Claro, às vezes fica mais caótico, corrido, mas ritmo é tudo. Animação são pessoas, se você encontrar as pessoas certas e motivá-las, fica menos difícil.
LL — Sobre seu filme ERros, como surgiu a idéia pra esse adorável roteiro? Como foi o processo de produção: feito por conta própria ou através do Copa? Quanto tempo – mais ou menos – demorou pra ser concluído?
S — Hehehe não sei bem. Eu tinha uma ideia de alguém que sabia usar a Lei de Murphy a seu favor. Daí pra virar o ERros foi tanto tempo que não sei precisar como foi essa transformação. Fui tentando achar um porquê do filme… Acho que quando você faz um filme, tem que ter uma voz, um algo que queira dizer. Senão fica bonito, mas ninguém lembra. Ganhei um edital da RioFilme pra fazer o curta, aliás, precisamos de editais de curta, sempre. Bem, ganhei… e tinha que fazer. Planejei fazer devagar ao longo de um ano, mas haveria um gap entre a produção do Historietas e uma nova leva do Tromba Trem, e isso ferrou meus planos. Saí correndo pra fazer um tratamento novo do roteiro, board, animatic, gravar voz, design, layouts, rig…! Tudo em três meses pro pessoal da animação ter trabalho nesse gap. Por dois meses animaram, e depois disso fiquei mais uns cinco meses fazendo todos cenários e finalizando o filme. Foi corrido e muita coisa queria que tivesse ficado diferente… Mas nenhuma criança teve câncer no olho vendo o filme, então tudo bem. Ele até ganhou uns prêmios. Num deles escreveram meu nome errado na notícia, escreveram Rodrigo Salgado. Esse erro foi meu maior prêmio! Teve tudo a ver com o tema, rimos muito aqui no estúdio.
LL — Qual sua opinião sobre o mercado de animação no Brasil hoje? Que conselhos daria para aqueles que estão se iniciando profissionalmente na área?
S — Hoje existem mais opções pra seguir carreira, temos visto o surgimento de estúdios fora do eixo Rio-São Paulo e isso é bem legal. Mas é um mercado que ainda precisa se estabilizar, por isso é importante o engajamento político e a ética. Todo mundo vai falar que é preciso estudar muito desenho, cinema, os princípios básicos da animação, atuação, etc, então é isso mesmo, vou adicionar: desenhar todo dia (mesmo se você for um fanático por 3D), observar mais a vida e menos o desenho dos outros (é um grande diferencial, dá pra ver quem observa o mundo e quem só observa o que outras pessoas desenharam #ficaadica), e participação em associações e entidades, como a ABCA, para lutar pela animação como um todo. Se não lutar, não vai rolar.
LL — Quais foram as maiores dificuldades que o estúdio enfrentou desde sua criação até a situação atual, para se manter como empresa no Brasil?
S — Não é diferente de uma loja, por exemplo. É difícil ter empresa no Brasil. Tem muita burocracia, e leva tempo pra aprender, manter fluxo de caixa, assumir riscos, ficar sem dormir… Eu e meu sócios somos desenhistas, ninguém tinha grana sobrando, por um tempo foi difícil só pagar as contas, pegamos muitos trabalhos chatos. Também foi difícil ser levado a sério. “Os meninos da animação”, era assim que as pessoas se referiam. Muitas produtoras nos abordavam com desconfiança da nossa solidez, do nosso profissionalismo. Acho que deveria ter usado calças nessas reuniões, não sei. Ainda é difícil, mas estamos indo, aos poucos, firmando uma reputação, principalmente com nossos artistas, é importante que eles acreditem em nós, é importante que gostem dos projetos que fazemos. Lutamos muito pela manutenção de nossos empregos no Rio, no Brasil. Seria bem mais lucrativo fazer algumas coisas fora do país, mas seria uma sacanagem sem tamanho. Essa será a maior luta por muito tempo, ampliar, manter e melhorar esses empregos aqui no Brasil, por isso apostamos nas séries próprias, que além de serem muito legais (:D), são coisas que só nós podemos fazer, ao contrário de pegar trabalhos de outros.
LL — Se pudesse escolher qualquer lugar no mundo para trabalhar, para onde iria? Você tem vontade de trabalhar fora do país ou com algum profissional específico?
S — Iria pra Finlândia. Trabalharia em qualquer emprego lá, não precisa ser desenho. É um país com um sistema justo, mas aí uma googlada pode dizer mais que eu. O Brasil tá difícil, muita injustiça, muito elitismo, muito conservadorismo. Se desse pra desenhar lá na Finlândia, melhor ainda, mas eu poderia ter um profissão menos nobre, como advogado, que não me importaria tanto. Quanto a um artista, tem alguns japoneses que gostaria de trabalhar, mas seria difícil demais aprender japonês. Então, gostaria de trabalhar com o Jamie Hewlett, fazendo Gorillaz pra sempre. Se o Ryan Gosling e a Rihanna estivessem lá também, seria foda, eles são muito lindos. Poderíamos ser todos advogados na Finlândia: Soldado, Hewlett, Gosling & Rihanna advogados associados. Seria ótimo!
LL — Quais os futuros planos do Copa Studio? Que novidades podemos esperar de vocês?
S — Muitas coisas! Tem mais Tromba Trem, mais Historietas Assombradas e mais Irmão do Jorel vindo por aí. Algumas coisas estreiam esse ano, outras ano que vem. Além disso, temos uma série pré-escolar no forno, muito linda; acho que as criancinhas gostarão, e mesmo adultos violentos acho que gostarão. Tenho outra em desenvolvimento, pra uma possível co-produção internacional, mas como não sei se posso falar disso, prefiro não citar pra não ganhar um esporro depois. Tem outras séries em desenvolvimento também, em diversos estágios, acho que nunca desenvolvemos tantas coisas ao mesmo tempo. Estou bem no início de transformar o curta ERros em série também, não sei o que vai dar, vamos ver.
RAPIDINHAS:
LL — 2d ou 3d?
S — 2d.
LL — Papel + lápis ou Cintiq?
S — Cintiq.
LL — 24fps ou 30fps?
S — 24fps.
LL — Anime ou Cartoon?
S — Ah! os dois.
LL — Ser generalista ou especialista?
S — Melhor um generalista especial do que um especialista em genéricos.
LL — Melhor hora pra trabalhar: manhã, tarde ou noite?
S — Manhã bem cedinho.
LL — Limonada ou suco de laranja?
S — Limonada sem gelo e sem açúcar.
Esse foi o Soldado! Nós do Layer Lemonade agradecemos imensamente a participação dessa figura. Até a próxima!