Sergio Filho é animador, ilustrador e um dos diretores do Criatura, um ótimo estúdio de Belo Horizonte, juntamente com seus colegas Marcelo Santana, Pablo Gomide e Pedro Magalhães. Conversamos com ele sobre a sua paixão pela animação e a experiência de comandar um estúdio no Brasil.
Layer Lemonade: Oi Sérgio! Que bom poder trocar uma idéia contigo! Como você entrou na vida de animador?
Sergio Filho: Quando eu ainda era uma moleque do interior de Minas (Governador Valadares) eu era apaixonado por dinossauros! Foi graças a essa paixão que eu comecei a desenhar. Eu imaginava dinossauros que nem sequer existiam e os desenhava com giz de cera pra todo lado. Eu falava pros meus pais que eram dinossauros que ainda não haviam sido descobertos e que eu seria o Paleontólogo (aprendi essa palavra vendo Jurassic Park) que iria encontrá-los. Sou muito privilegiado pelos pais que tenho, eles são fantásticos e sempre incentivaram esse meu lado criativo. Bem, de Paleontólogo para Motion Designer foi uma mudança drástica de carreira. Foi um tiro meio que no escuro na época da faculdade que me levou para esta área. Devido a minha afinidade pelo desenho, acabei optando por cursar Design Gráfico lá em Valadares mesmo. Como fiz o curso em uma faculdade particular cuja a mensalidade não dava pra chamar de barata, precisei encontrar um bom emprego pra poupar meus pais de mais essa despesa. Acabei caindo de pára-quedas em uma emissora de TV local. Lá dentro eu fiz DE TUDO: Montagem, pós produção, criação de identidade visual de programas, vinhetas, gráficos animados de TODO O TIPO (sabe aqueles mapinhas de “previsão do tempo”? Pois é!), até repórter de campo eu fui (cobri o N Design Curitiba em 2010). Mas foi lá também que fiz amizade com o After Effects, que virou meu ganha pão desde então.
LL: Qual foi seu primeiro trabalho profissional com animação? De lá pra cá quais foram os projetos que você acha que contribuíram mais pro seu crescimento profissional?
Sergio: Meu primeiro trabalho de animação foi sem dúvida este: https://vimeo.com/41619285 (senha: serrrgio). Eu era um frequentador ávido dessa lanchonete lá da Valadares, fiz isso na camaradagem para eles. Um amigo jornalista topou me emprestar sua voz pra fazer a locução na época. Um que vale ser citado é um curtinha chamado “Men of Steel” que fala um pouco sobre a história de alguns dos atores que vestiram o manto do Super-homem. Esse curta foi feito com o Pedro Magalhães em um outro estúdio onde nos conhecemos, ele marca o começo da nossa parceria profissional.
Também não posso deixar de falar da última temporada da série animada do Sítio do Pica Pau Amarelo, que foi uma experiência maravilhosa com a equipe maravilhosa da Split em São Paulo. E o mais recente que foi um projeto colaborativo idealizado pelo grande Ivanildo Soares, onde eu, o Pedro Magalhães e mais de 70 animadores de tudo quanto é canto recriamos um episódio clássico inteiro do Pica Pau. O resultado ficou surreal. (cenas: vimeo.com/163318620 e vimeo.com/165574517)
LL: Você fez uma animação super fofa pra uma pessoa muito especial pra você… Foi difícil fazer um projeto pessoal dedicado a alguém assim? Você procura sempre estar criando algum projeto pessoal, em paralelo com o trabalho?
Sergio: A Itamara é sem dúvidas uma pessoa muito especial. Eu me lembro que produzir o “Vida em Marte?” não foi a tarefa mais fácil da minha vida, eu tive que inventar tempo para tal dedicação. Se tratava de um presente de aniversário para a Itamara, logo, apesar de ser algo pessoal, tinha um deadline assim como qualquer outro trabalho. Não é nada fácil se dedicar a projetos como esse, mas de certa forma o retorno que eles trazem é inigualável! No fim das contas é o que fica, não é verdade? É por trabalhos assim que somos lembrados. Hoje infelizmente dedico muito menos tempo a projetos pessoais como esse do que eu realmente gostaria de dedicar. Ideias não faltam, o que falta é tempo e energia. Quem sabe algum dia essas novas ideias vão encontrar seu lugar ao sol, o que posso afirmar até lá é que vale a pena sim estar sempre produzindo algo legitimamente seu.
LL: Como você, o Pedro, Pablo e o Marcelo se conheceram? Como que o estúdio foi criado? Quantas pessoas fazem parte da equipe atualmente?
Sergio: Como eu citei anteriormente, eu e Pedro nos conhecemos em um outro estúdio. Na época (início de 2013) eu tinha interesse em me mudar pra BH e passei uma semana na cidade visitando alguns estúdios. Eu brinco com o Pedro que ele é minha alma gêmea profissional, porque foi sem dúvida amor a primeira vista! Fui visitar o estúdio dele sem compromisso nenhum e já comecei a trabalhar lá quase que instantaneamente. Já o Pablo e o Marcelo eram da concorrência, eu só fui conhecê-los quando assumi como freelancer (2014) e cobri as férias do Diretor de Arte deles. A Criatura surgiu quando esses três se desligaram de seus respectivos estúdios e resolveram criar um novo, que iniciou seus trabalhos oficialmente no dia primeiro de abril de 2015. Eu e mais 9 estávamos lá. Hoje somos entre 15 a 20 na casa, a galera varia conforme a demanda de trabalho.
LL: O fato de vocês estarem em Minas Gerais trouxe, em algum momento, alguma dificuldade pro estúdio? Quais foram as maiores dificuldades que vocês enfrentaram quando começaram o estúdio e quais as maiores dificuldades hoje?
Sergio: Sim. Minas Gerais infelizmente ainda não é um polo audiovisual consolidado. Estamos começando a nos organizar para ser. Mas felizmente conseguimos atender e trabalhar com o mundo todo! No começo a maior dificuldade foi ter cliente. Construir uma reputação é difícil demais! Você pode ter uma excelente equipe mas não conseguir vender porque o cliente não te conhece e não confia em você. Hoje, com a casa organizada e clientes fidelizados, outras dificuldades começam a aparecer. Uma delas é controlar o volume e manter a qualidade. A maior preocupação nossa é não cair a qualidade. Cozinhar para 5 pessoas é uma coisa, cozinhar para 100 é outra história. Isso acaba limitando o nosso crescimento. Porque da mesma forma que o mercado demora a confiar na gente, a gente demora a confiar em novos colaboradores também.
LL: A maior parte dos seus clientes é nacional, ou vocês também trabalham com clientes gringos? Caso eu tenha um estúdio ou seja freelancer aqui no Brasil qual pode ser uma boa maneira de conseguir contato com clientes gringos?
Sergio: A maioria dos clientes da Criatura são do Brasil. Trabalhamos com clientes gringos também, como Estados Unidos, Rússia e Inglaterra. Uma boa maneira de começar a se relacionar lá fora é sempre estar expondo a sua cara na internet, seja em redes sociais, fóruns, etc. Internet é uma “terra de ninguém”, nunca se sabe quem está de olho em você por aqui.
LL: O trabalho da Criatura é bem variado: desde live action, VFX, 3d a animação 2d. Qual o tipo de projeto que vocês tem mais interesse em trabalhar e que tipo de projeto vocês ainda não fizeram mas adorariam fazer um dia?
A Criatura gosta de pular em cima da granada, quanto mais desafiador o trabalho, mais motivados nos sentimos em executá-lo da melhor maneira. Afinal, é o que nos mantém auto críticos quanto ao nosso trabalho. Acabaríamos nos tornando mais do mesmo sem isso, entende? Ainda não fizemos nenhuma serie do inicio ao fim, por exemplo. Sempre trabalhamos como coprodutores. Acho que um desejo nosso é ter uma serie 100% nossa. Com o nosso DNA.
LL: Mundialmente o mercado da animação e do motion design cresceu consideravelmente nos últimos anos, e o número de profissionais ingressando nessas áreas obviamente vem acompanhando esse aumento. No Brasil também houve um crescimento do mercado. Como a Criatura vê o futuro do motion design e da animação, no Brasil, pros próximos anos?
Sergio: É fato que tivemos um crescimento substancial de profissionais ingressando e se especializando em Motion Design no Brasil nos últimos anos. Quando eu comecei, por exemplo, eu nem sabia como chamar essa carreira! Hoje temos cursos especialistas no ramo profissionalizando pessoas especificamente para este tipo de demanda. Com essa popularização obviamente a concorrência aumenta, fazendo com que muita coisa com qualidade questionável dê as caras e em contrapartida destacando quem realmente tem um diferencial. Uma aposta para um futuro nem um pouco distante é que o motion – esse mais simples e didático que somos bombardeados diariamente na internet – acabe se tornando algo mais sistematizado e feito em escala, porém com uma qualidade bem superior do que a que vemos hoje em dia. Um processo bastante semelhante ao que aconteceu com a construção de sites.
LL: Como você explica para pessoas leias o seu trabalho? E sua família, eles apoiam sua profissão?
Sergio: Na maioria das vezes costumo dizer que sou da área de publicidade ou que trabalho com vídeo, é mais fácil para as pessoas digerirem. Mas vez ou outra ouso dizer que trabalho fazendo desenhos animados, que é essencialmente o que eu faço. É muito engraçado ver a reação das pessoas, elas realmente não compreendem bem como funciona. Uma vez me perguntaram se eu já havia trabalhado nos Simpsons! COUCH GAG!? Quem me dera! Já dentro da família sempre foi puro amor, o apoio é incondicional! A vida inteira eu fui uma figurinha meio excêntrica aos olhos deles, a profissão atípica não foi nenhum susto.
LL: Achar o equilíbrio entre a vida profissional e pessoal muitas vezes é complicado na nossa profissão. Você já teve dificuldade com isso? O que te ajuda a manter essa balança alinhada?
Sergio: O profissional da nossa área tende a ser composto de 10% de criatividade e 90% de ansiedade, né? Óbvio que tenho dificuldade com isso! Porém eu sou muito apaixonado pelo que faço, o meu trabalho chega a ser terapêutico para mim. Acho que o segredo é não tentar manter a balança alinhada, apenas funcionando.
LL: Quais grandes planos megalomaníacos Sérgio, Pablo e Pedro estão tramando pro futuro do Criatura?
Sergio: Na Criatura tem tanta coisa acontecendo que eu nem consigo responder pelo coletivo. Como eu disse anteriormente um sonho é produzirmos uma série 100% com a cara da Criatura, e no que depender de mim, 100% animada.
LL: Você tem alguma dica pra quem é motion designer, está buscando avançar na carreira, e assim como você tem uma queda pelo 2d ?
Sergio: Experimentar sempre! Se propor a um desafio diferente a cada trabalho! O próximo tem que superar o anterior em algum quesito que seja!
RAPIDINHAS
LL: 12, 24, 30, 60… um frame rate preferido?
Sergio: Eu animo normalmente em 24 e depois jogo um adjustment layer com posterize time por cima de toda a comp e caio pra 12 antes de renderizar.
LL: Ser versátil em muitos estilos ou ter um estilo próprio?
Sergio: Apesar da publicidade exigir versatilidade, sempre tento deixar minha marca em cada trabalho que faço. Defendo com unhas e dentes o estilo próprio!
LL: Fim de semana é para…?
Sergio: Trabalhar?
LL: O quê vai bem com uma limonada?
Sergio: O calor de Governador Valadares.
Muuuuuuuito obrigada por participar desse Papo! Obrigada também a todos do Criatura Estúdio! Bom trabalho para vocês em 2018!