Quando vi que a Netflix ia lançar mais um volume de Love, Death and Robots eu fiquei muito animado. Além de ser aficionado por contos curtos é maravilhoso ver o que vários estúdios e artistas pelo mundo trazem à mesa quando têm uma maior liberdade criativa. Minha empolgação aumentou ainda mais quando descobri que Alberto Mielgo iria participar. Desde o curta A Testemunha, na primeira temporada do show, eu virei um grande fã do trabalho do diretor. Não é apenas a estética maravilhosa utilizada nos seus filmes, mas a capacidade de falar de temas complexos de uma forma explosiva e extremamente tocante.
Cheio de expectativa fui assistir Jibaro, a última animação do terceiro volume, e foi incrível, como eu imaginava que seria. Foi interessante ver o diretor trabalhar em um ambiente natural, quando a maioria esmagadora das suas produções se passa em cenários urbanos. Pra mim, certamente uma obra prima, que traz a narrativa de um dos temas favoritos do autor: relacionamentos. É impressionante como, apesar de ter um pano de fundo completamente diferente, Jibaro e A Testemunha conversam entre si e tratam da relação entre indivíduos de forma caótica, apaixonada e violenta. De acordo com o próprio Mielgo, um dos temas abordados em Jibaro são os relacionamentos tóxicos, algo que lembra a perseguição frenética em A Testemunha. Todas as animações de Love, Death and Robots são voltadas para adultos, mas nenhuma deixa isso tão explícito quanto Jibaro.
Temas como amor, relacionamentos e emoções são retratados em basicamente todas as animações. A técnica é fundamental, mas o que ressoa com o grande público são as emoções, a história cativante que permanece na nossa imaginação. Eu cresci vendo filmes da Disney e posteriormente da Pixar, lembro de falas e de músicas como se tivesse acabado de assistir. Essas animações são feitas tanto para crianças quanto adultos e abordam temas universais, mas ainda assim, não podem ser consideradas animações exclusivas para o público adulto.
Durante muito tempo a animação foi vista como algo voltado para crianças e os shows mais adultos geralmente eram baseados em comédia, como Family Guy e South Park. Durante muitos anos o mundo da animação para adultos bebeu dessa fonte e ainda hoje se mantém como uma vertente interessante com show maravilhosos como Rick and Morty. Contudo, algumas animações começaram a se destacar em outros nichos, como Invincible, que traz o contexto batido dos super heróis com uma camada generosa de ironia e violência. O que mudou?
Voltando ao Alberto Mielgo, em uma entrevista recente ele disse que a animação para o público adulto possui uma base mais forte hoje em dia. São as gerações que cresceram não só com animações, mas com quadrinhos, que abordam temas mais sérios há muito tempo, sem contar a popularização dos animes, que geralmente trazem narrativas mais complexas que os shows ocidentais (o maior exemplo é Akira, que já na década de 80 se popularizou no mundo todo, mesmo com toda a violência, na verdade esse era um dos seus maiores atrativos na época). O Japão sempre teve respeito e espaço para animações adultas, mas hoje essa audiência cresce no mundo todo, onde pessoas buscam um conteúdo mais próximo da sua realidade.
Apesar de amar comédias escrachadas e com técnica mais tosca, é maravilhoso poder consumir animações que tratam de temas relevantes sem necessariamente serem infantis ou óbvias. Com esse público, a animação ganha ainda mais espaço e voz, perdendo o já desgastado estigma de que desenho é coisa de criança.
Se ficou curioso com animações do Mielgo, é possível assistir as duas que citei no catálogo da Netflix. Além disso ele dirigiu o curta de animação ganhador do oscar, The Windshield Wiper, disponível nesse link.
Boa semana a todos. 🙂