Esse artigo foi escrito pelo autor convidado Diego Coutinho – aka Couts -; um Animador, Designer e Diretor Criativo/de Arte brasileiro atualmente baseado em Los Angeles. Couts tem grande experiência, tendo trabalhado com estúdios como Elastic, Lobo Vetor Zero, State Design e muitos outros; além de clientes de renome como Netflix, Adobe, Microsoft e etc.
Att Dhyan Shanasa
Uma lição prática que aprendi com projetos pessoais
Não é de hoje que o mundo gastronômico me serve de fonte inspiracional ao criar metáforas para explicar algo relacionado com o motion graphics.
Por exemplo, para um chef de cozinha é essencial os aprendizados com testes, muitas vezes feitos em casa mesmo. Assuntos como a quantidade certa de sal, temperos ou o ponto do cozimento, você somente irá dominar e fazer algo bom se antes fizer uma boa quantia de experimentos.
Acredito que o mesmo é válido para artistas gráficos e seus projetos pessoais. Para os mais incrédulos que tal comparação não parece fazer sentido, peço apenas paciência e que fiquem comigo até fim deste artigo.
Aos leitores cansados de fórmulas batidas como “7 vantagens dos projetos pessoais”, acredito ser sábio antecipar que minha intenção aqui é expor de forma muito prática e direta um dos aprendizados que eu tive com meu primeiro projeto pessoal e como isso ecoou em minha carreira.
Entendendo a respeito do processo e ingredientes em uma receita
Direto do fundo do baú do tempo(2009), e cheio de ótimas lembranças, meu primeiro projeto de animação:
Este projeto foi o resultado do esforço coletivo de quatro estudantes de design que, em 2011, totalmente iniciantes mas cheios de entusiasmo em aprender, enfrentaram o desafio do projeto pessoal. A disposição de enfrentar desafios ajudou muito, pois o projeto fluiu muito bem até a produção das ilustrações, mas foi então que encontramos uma pedra no caminho.
A equipe de ilustração contava com a talentossía Bruna Imai e eu. Na época, havia uma grande diferença entre nossos estilos. Eu costumava fazer desenhos mais realistas com luz e sombra, enquanto Bruna fazia mais desenhos gráficos cheios do charme flat. Apesar das diferenças existia um consenso: para o projeto nós queríamos um visual com uma base mais gráfica mas com uma finalização com um pouco de luz, sombra e volume.
Nenhum de nós tinha experiência com o resultado que gostaríamos de atingir, portanto tivemos que aprender e nos adaptar durante o processo.Inicialmente, nós dois tentamos executar todas as etapas, o esboço e a renderização; mas não funcionou tão bem. O resultado de cada um foi muito diferente. Não seria possível ter um projeto com os dois estilos na mesma tela. Também não tínhamos ali o melhor de cada artista.A nossa solução foi criar uma linha de produção e de separar as responsabilidades: A Bruna ficou responsável pelos sketches e eu fiquei responsável pelo render. Dessa forma não só aproveitamos o melhor de cada um, criando um produto final padronizado, como também otimizamos o workflow acelerando a produção.
Algumas vezes você só terá alho e óleo em mãos, e terá de se virar para tirar uma macarronada ou um projeto inteiro disso.
Para acertar a mão, não se pode esquecer que todos os ingredientes têm seu brilho particular. Assim como um alho pode ser frito, assado, cozido ou cru, artistas também oferecerem inúmeras possibilidades de serem experimentados.
Por fim, também é importante reconhecer as limitações de cada um. Eu tive de me conhecer como artista, ou seja, o que eu era ou não o capaz de fazer. Optei por abrir mão de fazer os sketches em prol da linha de produção e coerência visual do projeto. Foi neste momento que também entendi que, ao combinarmos parte das características de um ingrediente, com parte das características de outro ingrediente, ao final você terá uma receita completa, que pode ser bem mais interessante do que os ingredientes isolados.
Usando o que eu aprendi em projetos reais
Vamos agora para o mercado real e ver como usei esse aprendizado na prática. Usarei de exemplo o filme Guerra ao Drugo, projeto dirigido pelo Gabriel Nóbrega, um grande amigo e mestre que tive no meu tempo da Lobo.
O projeto começou com uma proposta simples, mas tinha uma peculiaridade. Como tomamos uma direção visual muito realista nas texturas e na renderização e como a equipe de produção acabou dedicando muita energia à produção, a qualidade e a complexidade de todo o projeto cresceram exponencialmente. Logo no começo do desenvolvimento do projeto, pude ver que nosso plano inicial, o qual seria eu quem iria continuar os primeiros conceitos e fazendo a maior parte do trabalho sozinho, não seria plausível.
O projeto começou com uma pequena equipe de pré-produção devido a restrições de orçamento. Naquele momento, precisando de mais mão na equipe conceitual, voltei minha atenção para Bruno Henrique (Bigode), que já fazia parte da equipe.
Ele era um freelancer que havia sido contratado inicialmente para preparar as ilustrações a serem enviadas para a produção, realizando tarefas simples, como cortar os personagens e torná-los animáveis. Como diretor de arte, tomei a liberdade de pedir a Bruno Henrique para fazer alguns testes de esboço. O resultado foi tão bom que ele acabou sendo responsável por fazer todos os personagens do filme.
Assim aconteceu exatamente como em meu projeto pessoal. Eu experimentei algo que não estava nos planos para que o projeto acontecesse com os artistas que tínhamos disponíveis. Foi pensando em prol da linha de produção que optei por não fazer os sketches, reconhecendo minhas limitações de tempo.
Aqui vale mencionar um comentário de outro grande mestre que tive, o Fábio Acorsi (Ximba). Em uma de nossas sessões de orientação de bar, compartilhou comigo sua visão de que, crescer na hierarquia dentro do mercado de motion graphics e animação, por mais contraditório que pareça, é também uma prática de humildade. Quanto mais se cresce dentro de uma empresa, mais o trabalho depende do talento dos outros, sendo você como diretor, responsável pelo alinhamento de todos através de sua visão do projeto.
Leitores atentos devem estar se perguntando; e aquele papo de que cada ingrediente tem seu brilho particular?
Bom, após pedir para o Bigode rever os sketches iniciais, eu também experimentei pedir para que ele finalizasse as artes. Para minha surpresa, a maneira como ele finalizava, apesar de bem feito, não se encaixava exatamente com a direção visual do filme.
Não se tratava da qualidade do artista, mas sim do estilo do trabalho.
A solução em boa parte do projeto foi eu mesmo finalizar todas as artes que outros artistas iam produzindo o traço, dessa forma era possível manter uma conformidade visual.
Esse processo de entender os pontos fortes de cada artista acabou se repetindo inúmeras vezes nesse mesmo projeto. A exemplo disso temos a pipeline personagens, que após ter mudado durante o processo todo acabou ficando da seguinte maneira:
- Os primeiros concepts foram feitos pelo Fernando Peque.
- O Bruno Henrique foi o responsável por desenvolver e replicar o estilo do traço para o filme todo.
- Eu defini o acabamento com sombras flat, patterns, texturas, cores e fiquei responsável pelo processo de transferir os tecidos dos concepts finalizados para o tecidos reais.
- Após isso nós preparamos o arquivo para ser impresso.
- Então entrava a produção. Aqui eu resumi as etapas de construção dos personagens, iluminação, animação e filmagem. Que não vou entrar em detalhes pois estou focando na pré produção.
- E por fim a pós produção, com um pouco de tratamento
Após o primeiro personagem pronto, conseguimos definir uma lógica de linha de produção.
Então em um segundo momento, para evitar que eu ficasse como um “gargalo” que afetasse a velocidade da pipeline conseguimos expandir a equipe de pré produção.
Na etapa 02 Donald Lee Peffer e Thiago Calçado que eram responsáveis pela animação, definiam o acting e faziam fotos de si mesmos nas poses que seriam usadas de base para a criação dos sketches. Para parte da etapa 03 e toda a etapa 04 pude contar com Heitor Reis, Diogo Guimarães e Guilherme Carneiro fazendo esse papel.
Isso tudo sem mencionar outros artistas como Marcos Llussá, Ivan Freire, Michel Venús e Marcelo Souto que também participaram da pré produção criando outros concepts não citados aqui que influenciaram no resultado final.
Acredito que após expor dessa maneira, fica claro que cada artista teve sua enorme importância, e que o resultado final é apenas a soma do todo.
Mais exemplos
Eu foquei no exemplo do Drugo pois este é um dos maiores projetos em que já trabalhei. Mas na verdade eu uso muito essa dinâmica de me adaptar e trocar os profissionais de lugar na pipeline praticamente todos os dias, mesmo em projetos com uma equipe menor.
Como é o caso do Velvet Buzzsaw, projeto do começo de 2019 feito na Elastic.tv, o qual eu estava no papel de diretor de arte.
O projeto é a abertura do filme Velvet Buzzsaw, dirigido por Dan Gilroy. Pode ser encontrado no Netflix. Os titles foram dirigidos por minha grande amiga, Hazel Baird.
Neste projeto eu tinha na equipe de animação um designer/animador que após alguns testes de animação, pude notar que apesar de ótimo animador, seu estilo de animação era um pouco mais cartunesco e não se encaixava na proposta do projeto. Minha solução foi a seguinte.
Como o ponto forte desse artista era o fato que ele é um ótimo designer, optei por utilizá-lo como finalista. Então eu criei alguns rough pass de animação e gravei alguns footages, ambos já aprovados para serem “rotoscopiados e finalizados”. Dessa forma ele poderia somente aplicar o look final em cima das referências.
O mesmo aconteceu no projeto National Geographic, Deadliest Week Ever, que tive a oportunidade de trabalhar como Creative Director na State Design.
Um dos animadores não chegou no resultado desejado, então acabei gerando uma base de animação em 3d para que ele finalizasse por cima.
Então…
No texto compartilhei apenas alguns insights a respeito de pipeline. No entanto, existe uma enorme variedade de experiências e conhecimentos que podem ser obtidos com o projetos pessoais que não se caberiam neste artigo
Mesmo em diferentes níveis, as interações entre as pessoas em todos esses projetos estão muito próximas do que aprendi com meu próprio projeto pessoal, bem como de certos desafios que enfrentei.
Embora exista uma “receita” que possa ser seguida para criar uma peça de animação, após analisar esses exemplos, percebemos que geralmente precisamos nos adaptar às limitações e desafios do setor e ainda assim conseguir resultados de qualidade.
Como na vida, a partir do momento em que nos fechamos, provavelmente teremos dificuldade em continuar nos desenvolvendo. Mas enquanto permanecermos curiosos e abertos a experimentar o novo e o inesperado, acredito que o caminho para o crescimento profissional e pessoal continuará aberto.
E para fechar esse artigo, meu mais novo projeto pessoal: Evolution.