Daniel Gies é o diretor do estúdio E.D Films, tem em seu currículo filmes como Giant Bear, Three Trees, Premonition e recentemente lançou seu curta experimental Return to Hairy Hill, após um longo período de 10 anos de desenvolvimento.
O processo criativo e produção de Hairy Hill
Layer Lemonade (LL): O estúdio E.D Filmes é conhecido por suas animações com estilos muito únicos. Em “Return to Hairy Hill” nós podemos ver diversas técnicas visuais e de animação que harmonizam muito bem. Como vocês conciliaram todas essas técnicas e construíram o visual do filme?
Daniel Gies (DG): Fico feliz que os vários estilos pareçam fazer sentido no filme. Na verdade, esse foi um dos aspectos mais estressantes da montagem da peça, pois não tínhamos certeza de que todos esses estilos diferentes não seriam uma distração para o público.
Tem 4 estéticas predominantes que se juntam: CG stop motion, ilustração e pintura à mão, pintura digital e animação tradicional.
Tiveram alguns conceitos que mantia em mente quando orquestrava quais técnicas seriam usadas para que. A regra geral era que tudo no filme que fosse humano teria que ser feito em recorte e papel colado.
O papel recortado ajudou a reforçar a ideia da fragilidade humana, assim como nossa adaptabilidade e impermanência. Além de destacar o desejo de controlar nossa natureza.
Incluímos também outra regra visual de que sempre que possível, tudo que fosse da natureza precisava parecer “feito a mão” ou pintado. Os animais no filme são todos animados a mão e pintados em estilo de guache, o que eventualmente nos ajudou a misturar com os backgrounds que foram pintados digitalmente. Os elementos no foreground – como as árvores, flores, moitas e matos – foram customs do SpeedTree personalizados montados a partir de texturas pintadas à mão.
Diferentes técnicas de animação
LL: Inicialmente a animação começou a ser produzida como um cutout 2D, quando você percebeu que o 2D não foi o suficiente para contar a histórias e teve que recorrer ao 3D? O que te fez decidir a criar o plugin “PSD to 3D”?
DG: Quando desenvolvi o estilo inicial, criei uma imagem de como eu gostaria que ele fosse. A princípio, era pra ser um estilo mais tradicional de recortes de papel, com iluminação 3D e ambientes com camadas mais densas.
Ainda gostaria de trabalhar em um curta com esse estilo, mas quando eu terminei meu primeiro animatic do Hairy Hill, não encaixava mais no tom. O que começou como uma história assustadora de uma família de crianças que se transformam em animais, com uma mãe agressiva, e uma jovem sobrecarregada que ansiava por liberdade, tornou-se algo muito mais poético, sutil e complexo.
Estávamos trabalhando em alguns projetos que exigiam personagens em 3D. Nós vimos o que era possível fazer com 3D e sabíamos que se mantivéssemos os materiais simples e o acting sutil, poderíamos usar um rig mais básico. Antes de criarmos qualquer personagem 3D, produzimos tudo no After Effects.
A pipeline com After Effects que já tínhamos desenvolvido em muitos anos criando nossos outros filmes, nos deu uma qualidade ilustrativa muito única, mas à medida que os projetos se tornavam mais sofisticados, precisávamos acrescentar às nossas outras técnicas.
Queríamos manter nossa estética de ilustração num mundo 3D, então decidimos construir uma ferramenta que pudesse replicar a pipeline do Photoshop e After Effects o mais próximo possível de uma pipeline 3D.
Nós precisávamos de meshes complexas com um jeito fácil de manusear as texturas pra que elas pudessem ser esculpidas, rigadas, pintadas e deformadas realisticamente.
Ao invés de começar com cubo ou polígonos, eu comecei desenhando primeiro e depois esculpi o desenho. Usei um novo programa de pintura chamado Rebelle que simula “real ink” e água pra criar algumas partes do rosto.
Game Engine na pipeline de animação
LL: Nós estamos vendo cada vez mais produções de animação usando game engines, mas ainda não é comum. Por que vocês decidiram usar Unreal Engine e quais foram as melhores vantagens de usar esse programa na pipeline?
DG: Nosso estúdio vinha experimentando animação em tempo real com game engines há muito tempo. Sempre vimos que havia uma vantagem significativa em usar personagens e ambientes não lineares e dinâmicos ao produzir um filme com uma equipe pequena.
Acho que o maior obstáculo que nos impedia de adotar completamente um pipeline de game engine era que a qualidade visual e as ferramentas de arte simplesmente não eram boas o suficiente.
Nos últimos anos, no entanto, a Epic deu grandes passos na construção de uma ferramenta que os artistas podem usar para criar trabalhos bonitos com pouca experiência em game engines. Não apenas estão mais robustos e completos, mas as capacidades de renderização estão melhorando exponencialmente a cada lançamento. Isso tornou bastante óbvia a escolha de investirmos tempo e energia nisso.
A velocidade com que pudemos montar os cenários e experimentar com câmera, iluminação, decoração de cenário e a aparência da vegetação foi uma grande vantagem. Como estúdio relativamente inexperiente em animação 3D, tínhamos muito a aprender, e com o Unreal Engine podíamos ver os resultados de nossas ideias instantaneamente. Isso também ajudou em todas as etapas finais de produção.
Próximas produções
LL: Por fim, o que você aprendeu com a experiência de fazer este filme, seja em termos de produção, filmagem ou criatividade, que você levará para a próxima produção?
DG: Há cerca de dois anos, depois de quase completarmos toda a animação dos personagens, sabia que algo no filme não estava tão forte quanto poderia ser. Eu simplesmente não conseguia entender exatamente o que era.
Por volta desse período, Sebastien Gros, um diretor de fotografia trabalhando com filmagens e cenas reais, começou a alugar um espaço ao lado do nosso. Decidi pedir a ele um feedback crítico sobre o filme. (…) Este era o nosso primeiro filme totalmente em 3D, e eu queria alguém que entendesse como filmar cenas reais.
Ele assistiu ao corte inicial e fez muitas perguntas, especialmente sobre a primeira metade do curta. Deliberamos e decidimos revisitar a cinematografia de todo o filme. Nos próximos meses, adicionamos dezenas de planos e reencenamos praticamente tudo na primeira metade do filme.
Às vezes, tive que retrabalhar as animações dos personagens para se ajustarem aos novos ângulos de câmera. Além disso, também gastei muito tempo aprimorando os olhos e o rosto para suportar closes e planos médios. Isso nunca deveria ter acontecido. Eu não tinha ideia de quanto eu tinha a aprender quando se tratava de usar a câmera e a iluminação para ajudar a contar a história.
No futuro, Sebastien e eu concordamos em começar a trabalhar juntos na fase de storyboard. A cinematografia tradicional de cenas reais tem muito a oferecer quando se trata de contar histórias na animação.
***
O Layer Lemonade expressa imensa gratidão ao Daniel Gies pela entrevista!