Sophie Koko Gate é animadora do estúdio Beakus, uma inglesa de estilo bem peculiar. Ela incrementa aquele típico humor inglês, levemente negro e excêntrico, com algumas pitadas de surrealismo, e o resultado é sempre estranhamente divertido. Seu filme de graduação na Royal College of Art , “Half Wet”, chamou a atenção em muitos festivais. Mais recentemente duas animações, uma para a Vox e outra para o curso de neurociência da Harvard online, ilustraram informações científicas de um jeito super divertido.
“Meu filme de graduação é sobre Gus, um cara de 25 anos de poros largos, tentando escapar do fato de que ele está evaporando pouco a pouco, ao mesmo tempo que está pirando por uma ex-namorada, que na verdade é bem chata.
Acho que minha idéia para esse filme veio de uma observação minha. A alguns anos atrás em Amsterdam, uma grande amiga me disse com toda a seriedade que ela achava que eu não ia envelhecer muito bem. Então comecei a pesquisar como desacelerar meu próprio processo de envelhecimento e descobri que os efeitos estéticos do envelhecimento são basicamente causados pela diminuição da quantidade de água nos nossos corpos.
Quando nascemos temos tanta água no corpo quanto uma banana, 75% água, e depois de um ano esse valor desce pra até 65% e continua diminuindo exponencialmente até morrermos. Essa idéia fez-me sentir bem estranha, e pensei que era algo estranho o suficiente pra fazer um filme.
Ansiedade e luxúria são dois temas que me interessam. Acho que é muito importante fazer filmes sobre coisas que você sabe ou vivenciou (a não ser que esteja fazendo um documentário).
Outro fator importante pra mim foi que queria introduzir personagens no filme que poderiam ser reutilizados em outros filmes que venha a fazer. O personagem principal de um primeiro filme meu, Marcy’s Tenderloin, faz uma participação especial em Half Wet. Gosto da idéia de manter personagens vivos em tudo o que faço pra que eles possam evoluir junto comigo.
Tive mais ou menos oito meses pra fazer o filme. Os primeiros três meses escrevi roteiro e pesquisei. Tive dificuldade escolhendo entre dois roteiros. Trabalhei tão espontaneamente quanto pude, seguindo um animatic simples e adicionando diálogo e idéias à medida que iam aparecendo. A fase de animação mesmo durou quatro meses, em que desenhava enquanto animava para manter tudo fresco, o que significa que o design evoluiu levemente no decorrer do filme. Eu tendo a animar cronologicamente, o que não é aconselhável já que a continuidade distorce levemente, mas isso ajudou a me manter em controle no processo.
Desenhei no Photoshop e também animei inteiramente nele. Isso graças a Nicolas Menard que me mostrou como os ‘Video Groups’ do Photoshop poderiam ser usados da mesma forma que o Flash, mas com o benefício de ser a base de pixel e brushes. Foi o dia mais feliz da minha vida adulta. A única desvantagem de animar no Photoshop, pra mim, é não poder navegar o áudio, e meu filme tem uma boa quantidade de diálogo, então acabei fazendo o grosso no Flash e importando pro Photoshop como um guia. Foi tudo composto no After Effects e editado no Premiere Pro.”
Sobre seu início como animadora Koko contou recentemente ao Motionographer:
“Fiz design gráfico, mas não estava exatamente mandando bem nos logos. Um dia abri o Flash e animei uma bolha beijando outra bolha — e foi isso, encontrei minha vocação!
Lembro de assistir a uma entrevista com Sally Cruikshank que basicamente moldou toda minha abordagem da animação. Ela é uma de minhas primeiras influências.
Meu estilo é sob medida pras minhas habilidades de desenho, e ele é estranho porque não sou boa em desenhar coisas realistas. Por isso que Sally Cruikshank foi tão importante pra mim, pra perceber que você não precisava desenhar as coisas como elas são — não sei se foi exatamente nessas palavras, mas ela disse algo como “Vou desenhar um pato, que não vai parecer com um pato pra você, mas pra mim é um pato.” — haha. Duh!
Quando comecei a explorar o mundo da animação as pessoas que se destacaram pra mim foram Bruce Bickford, Jan Svankmajer, David Daniels. Todos caras do Stop Motion! Mas agora estou descobrindo que minha inspiração está fora do mundo da animação. É fácil ficar engessada na bolha da animação e é importante pra mim tentar não seguir certas modas e tendências, por mais tentador que seja. Além disso, fui sortuda o suficiente por ser uma criança nos anos 90, e tenho certeza de que assistir desenhos me fez muito, muito bem.
Gosto de pensar que meu objetivo não é necessariamente fazer coisas esquisitas, mas usar a animação como vantagem para retratar a vida como um mundo imaginário alternativo! “
O seu filme “Poetry of Perception Part 1” é a introdução de uma série incrível de animações para um curso online da Harvard, e foi feita em cima de parte de um poema de Walt Whitman, “Song of Myself“. O curso é sobre os sentidos humanos, e a cada semana foca em um sentido diferente com uma animação correspondente para introduzir o tópico. O curso inclui vídeos de aulas em tópicos como a Neurociência da Arte, e outras animações como a de um poema de Emily Dickinson, uma lição sobre Neuromodulação, dentre outras coisas. O uso de animações excêntricas como a de Koko trazem um tema científico complicado para um público mais artístico e experimental.
Em entrevista ao Creators Project, Koko contou mais sobre o trabalho nesse filme e suas expectativas como animadora:
The Creators Project: Como um projeto geralmente se desenrola pra você? Por exemplo, para o poema de Whitman, você já estava trabalhando em algumas das imagens ou animações antes da Harvard chegar a você?
Sophie Koko Gate: Antes do projeto começar, eu estava entediada do meu trabalho paracer tão bidimensional, então tentei misturar e tentar novas coisas. Por uma semana ficou tudo meio doido no estúdio. Eu estava interessada em ver se existia algum jeito de imitar animação de massinha em 2D, usando brushes do Photoshop com grão e animando sombras. Inventei um jeito e usei a técnica no filme da Harvard! Todos meus designs foram feitos depois de eu ter recebido o poema, mas sabia por alto que o estilo seria influenciado pelos meus últimos experimentos.
CP: Os personagens e imagens nessa animação são tão excêntricos e originais! Quais foram suas influências? Você tem algum animador/artista favorito que tenta emular?
Koko: Ai meus deus… não posso responder isso, não tem nenhuma pessoa que eu tente emular. Às vezes é melhor procurar inspiração em outras áreas. Pra esse projeto, fui à casa de minha avó e li um punhado dos livros dela sobre Brancusi, Hans Coper, Lucie Rie. A casa dela é coberta de cerâmicas e vasos, belas texturas e cores. Eu também tinha alguns livros sobre a vida nas lagoas que um amigo botânico me emprestou, e que inspiraram as coisinhas flutuantes no filme. Sempre acabo olhando para o plâncton como inspiração, ou qualquer coisa translúcida e ruim em natação.
Descubro novos animadores pra me apaixonar o tempo todo. A cena indie de animação está tão quente agora! Minhas primeiras influências foram pessoas como Sally Cruikshank e outros caras do Sesame Street, Jan Svankmajer, Igor Kovalyov… Mas principalmente, se eu for honesta, Daria e Rugrats.
CP: Conte-nos como foi o processo pra esse vídeo do Walt Whitman. Quem chamou quem, etc? O projeto foi feito para um curso da Harvard. É um tipo de coisa que você já tinha interesse antes?
Koko: O curso é produzido pela incrível Nadja Oretelt , que já tinha usado animadores da Royal College of Art antes para os módulos 1 e 2 do curso. Fui recomendada por um dos animadores e o compositor que tinham visto meu filme de graduação. Sempre quis fazer parte dessa equipe legal de animação e ciência que inclui Daniela Sherer, Lily Fang e Oswald Skillbard, todos criativos incríveis. Amo ciência, ouço religiosamente o Radiolab e o o The Naked Scientists, e muitas das minhas ideias para filmes vem de fatos científicos.
Você sabia que a Lua está se afastando da Terra na mesma velocidade que as nossas unhas crescem? Coincidência? Talvez.
CP: Assistimos “Half Wet” e ficamos impressionados com a mistura de excentricidade e profundidade. Isso foi intencional? Existe alguma relação entre os dois filmes?
Koko: Meus personagens vem de uma tentativa bastante séria de criar um mundo entre o clássico desenho animado de TV e a estranheza da vida real. A intenção era fazer um filme que não fosse engraçado, mas que pudesse ser divertido, ter um roteiro em que parecesse que os personagens tivessem 10 segundos pra pensar no que falariam, mas mesmo assim estragassem tudo. Falar de assuntos que só existem dentro da cabeça das pessoas. Ter um design feio mas de alguma forma cativante. Sei exatamente o tipo de filme que quero fazer, e vou fazê-lo um dia. “Half Wet” foi um passo nessa direção.
Espero que alguns desses pontos tenham aparecido no filme da Harvard, mas tudo bem se não foram, já que trabalho comercial será sempre comercial, não importa o quão brilhante o briefing seja (e acredite, o briefing era brilhante!).
CP: Onde você vê seu trabalho no futuro?
Koko: Seria legal se meus irmãos ligassem no Cartoon Network e minha super série de TV “Marcy’s Tenderloin: Reloaded” estivesse passando enquanto eu estivesse em LA, dormindo por conta do fuso horário. Apesar de que estou mirando bem alto, haha.
Confira o trabalho mais recente da Koko, uma animação sobre a morte e a tecnologia, para o Vox:
Fonte:
The Creators Project
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