Como um dos artifícios mais atuais e transformadores da comunicação na internet recente, o GIF teve sua origem no final dos anos 1980 e hoje perdura graças à ressignificação de sua utilidade, por uma nova geração de usuários. Utilidade essa que transformou sua essência de imagem digital, o puro e simples formato .gif, numa nova linguagem visual que extrapolou os indícios de tendência passageira. Sua popularidade é o reflexo de seu uso massificado, principalmente nas redes sociais e aplicativos de mensagens, que gerou um ambiente propício para artistas de diversas áreas encontrarem sua potencial audiência e vice-versa.
Nota: Sou um apreciador de GIFs, mas confesso que não tinha noção do universo que abrange a leitura sobre esse tema. Política, humor, educação, tecnologia da informação, linguística… São algumas das áreas que “esbarrei” ao pesquisar para este artigo. Por isso resolvi limitar meu assunto aqui aos GIFs (ANIMADOS, claro!) enquanto arte digital. De qualquer forma, encarem os próximos parágrafos como um cartão de visita modesto – de gramatura bem fina – para esse assunto.
O trintão dos bitmaps (uma história que merece ser contada)
Gif “Genesis” por Supyrb
Só em 10 anos, nossos celulares evoluíram 20 vezes o poder de processamento. Estamos no quinto padrão de HTML e passamos de FLV para MP4 como o formato dominante de streaming de vídeo na Web. O que dizer de uma tecnologia com mais de 30 anos sem mudanças significativas?
O Graphics Interchange Format, ou GIF, foi apresentado ao mundo em 1987 pela empresa americana CompuServe. A internet estava prestes a entrar na era das conexões dial-up (internet discada) no final dos anos 80 e o baixo nível de transmissão de dados era uma realidade. Nesse contexto, o GIF se apresentava como uma alternativa ideal de formato de imagem digital, tanto pela sua compactação e paleta de 256 cores, quanto pela ampla portabilidade – ele funcionava em diferentes navegadores do PC, Macintosh, e também de outros computadores da época, como o Commodore. Mas as características fundamentais surgiriam depois, com a versão atualizada de 1989, que suportava as animações, e em 1995, na segunda versão do Netscape, que trazia o “loop infinito”.
Entre 1990 e início dos anos 2000, o GIF se tornou onipresente na internet. Peças famosas como “Dancing Girl” representam bem o estilo daquela época, com animação clássica e background transparente, para que pudesse ser usado em muitos contextos gráficos. E quando eu falo “Muitos contextos gráficos” é porque eram muitos mesmo. Se você não teve acesso à internet naquela época, pergunte a alguém que teve e testemunhou o mesmo GIF ser usado inúmeras vezes em sites como os do GeoCities (isso sim é o que eu chamo de “sem limites”). Sua principal função era decorativa, mas todo site queria ter seu acervo de GIFs animando suas páginas.
O Gif “Dancing Girl” tem sua autoria atribuída a Chuck Poynter
A superexposição banalizou os GIFs e designers do mundo todo os colocaram na posição de tecnologia ultrapassada, dando espaço para outros formatos emergentes que apresentavam melhor definição de cores e arestas – foi o caso do Flash, da Adobe.
Os GIFs caíram no ostracismo na primeira década dos anos 2000 e seu uso ficou restrito a fóruns de nicho na Internet. Só que anos mais tarde, seu substituto perderia força devido à incompatibilidade com os recém-lançados smartphones e redes sociais. O formato Flash tinha uma linguagem complexa, também era considerado pesado e o reflexo desse conflito abriu as portas novamente para os GIFs. As boas vindas ficaram por conta de blogs de todo o mundo e, por mais relutantes que tenham sido, redes sociais como Facebook e Twitter foram praticamente obrigadas a se tornar GIF-friendly devido às pressões dos seus usuários.
Hoje o Tumblr se destaca como um dos repositórios mais antigos, assim como o Instagram se adaptou à linguagem dos GIFs. O Dribbble e Behance limita seu espaço para conteúdos da comunidade profissional, e o que você não achar no Giphy (o “Google dos GIFs”), provavelmente não existe.
Mas como explicar essa ligação tão forte entre nós, usuários contemporâneos, e uma tecnologia renegada e oitentista, a ponto de a utilizarmos até mais que no tempo de sua criação?
Um GIF vale mais que mil palavras
Gif por Rafael Araújo (Buck)
O GIF foi apropriado às práticas de comunicação pela comunidade na WEB de tal forma, que talvez a explicação esteja na personalidade imediatista da nossa geração, resultante da exposição diária a um número excessivo de informações. Consequentemente, tudo precisa ser mais rápido e breve. São tempos em que escrever longas mensagens de textos, ou assistir vídeos extensos para se entreter, tem sido colocado em segundo plano, à medida em que o GIF preenche essa lacuna perfeitamente, pois é rápido, divertido, fácil de utilizar e ainda estimula o encadeamento do diálogo. Fora que não possui a barreira do idioma, facilitando a compreensão do que não poderia ser dito antes sem o recurso da palavra.
O GIF também ganhou popularidade em detrimento de seu status de “carruagem para memes” e esse foi um dos fatores que mais dificultou a aceitação dele como arte.
A arte presente nos GIFs
Assim como os meios comunicacionais, a arte também é influenciada por nossa rotina cada vez mais computadorizada e se configura hoje, nesse meio, de formas distintas: Pintura Digital, Modelagem 3D, Arte Fractal, Manipulação Fotográfica, Desenho Vetorial, Pixel Arte, Animação Digital e por aí vai. A Arte GIF, por sua vez, é multidisciplinar e se utiliza das possibilidades de combinação entre as artes digitais primárias, para atingir seu estilo e linguagem expressiva.
(Veja também no Layer Lemonade – 13 dicas definitivas para se criar Gifs incríveis)
Gif por Miena
David Koblesky, autor do The Art of Animated Gifs, aponta em seu blog algumas normas que endossam a verdadeira experiência com a Arte GIF:
Deve ser curto: baseado na percepção de que o GIF não pode estimular quem o observa a querer ter o controle do tempo, o intervalo de duração seria ideal entre 2 a 20 segundos. Passando disso, é possível que você se sinta seguindo uma história, em vez de vivenciar as particularidades do loop.
Sem áudio: o GIF é uma arte puramente visual, mas apesar de não ser possível habilitar som num arquivo .gif, redes sociais como Instagram expõem o .mp4 – que suporta áudio – nos moldes do GIF. Para David Koblesky, a boa Arte GIF é assistida diversas vezes, logo isso implicaria em escutar o som da mesma maneira e é aí onde está o problema: escutar repetidamente esse som pode ser irritante, consequentemente a experiência do loop seria comprometida.
Sem controles: não poder pausar, adiantar ou acelerar. A ausência de controles é um requisito que dá propósito aos demais, em especial o próximo.
Reprodução automática: não ter começo, nem fim, é uma das características da Arte GIF que prendem a atenção de quem o observa. A reprodução automática é um elemento fortalecedor desse artifício.
Loops: um gif precisa fazer loop porque é curto e, para ser apreciado de verdade, é preciso assisti-lo várias vezes. Repetição faz parte do formulário.
Em resumo, o GIF reúne todas as qualidades de uma mídia estática com o encanto do movimento, mas sem impor que o espectador dê play e assista do início ao fim para, assim, apreciar a obra. Não existe início, nem fim, o GIF está tocando independente de você dar play ou não e, na verdade, essa característica é o que faz com que a duração da peça seja o tempo que ela prendeu sua atenção. Não se trata dos 15 segundos de animação até o loop fazê-la recomeçar, mas sim os 20 segundos que você a observou até perceber que tudo está se repetindo e passar para a próxima; ou na segunda vez que você a viu e ficou analisando por 2 minutos pois aquele mesmo conteúdo te fez remeter a um determinado sentimento/lugar/pessoa. Essa é a dinâmica do GIF enquanto arte: uma micronarrativa – ou ausência dela – associada a um gráfico animado e mudo que se repete. O que vier além disso, é o observador quem acrescenta.
Mais alguns criadores de Arte GIF que valem a pena conhecer
Carl Burton
Toyoi Yuuta (Também autor da arte que ilustra a imagem de capa desse artigo)
Bill Tavis
Conclusão
Apesar da arte digital ser, até certo ponto, ignorada pelo circuito convencional, devido a questões de validade, preservação e autenticação, ela hoje vive um momento de prosperidade. A Arte GIF compartilha desse crescimento, à medida que festivais como o Festival do Minuto, instituições como o Museum of the Moving Image (Nova Iorque) e exposições como o FILE (São Paulo), já incluem obras no formato GIF em seus acervos. Esses seriam sinais de um futuro mais promissor para a Arte GIF? Só o tempo dirá.
Fontes e referências:
TechcRunch, IQ, The Daily Dot, Estadão, Design Culture, The Art of Animated Gifs,
Artigo de Ludmila Lupinacci Amaral: Uma imagem (em movimento) vale mais do que mil palavras: GIF animado como recurso expressivo